quarta-feira, 6 de outubro de 2004



Da mesma névoa que levou D. Sebastião
Quando era miúdo passava as férias de Verão com os meus avós. Moravam no Bairro da Liberdade, a 100 metros dos pilares do Aqueduto das Águas Livres. A casa tem 2 andares e um sótão descoberto, e ainda vivia lá aquando do 25 de Abril. No sótão havia um quarto apenas, com uma cama improvisada e paredes forradas a meninas a vender Pirellis. Fora do quarto e por baixo do telhado, havia teias de aranha e cantos baixos e escuros, de onde tinha medo de me aproximar. Na parte descoberta havia um grande quadrado no chão onde estavam as escadas para o andar inferior, e algumas coelheiras que a minha avó mantinha. Lembro-me de soltar os coelhos no chão e lhes dar ração a comer aos dentes afiados, e de ir com ela onde o aqueduto nasce do Monsanto, buscar erva para os alimentar. Havia pinheiros mansos e um campo enorme onde brincar e apanhar pinhas. Os pinhões, partia-os contra o chão do sótão, com um estranho martelo cilíndrico do meu avô.

O meu avô trabalhava num armazém de peças da Ford Lusitana. De lá ir, recordo-me de enormes estruturas com prateleiras até um tecto muito alto. O armazém do Ikea fez-me lembrar o do meu avô. Ele usava um fato macaco azul, e levava a bucha para o emprego, todos os dias, numa pequena malita.

Nas férias de Verão, os meus avós iam para a terra. Acordávamos de manhã cedo, muito cedo, com um nevoeiro cerradíssimo a cobrir tudo, e subíamos a rua até às escadinhas do chafariz, cujos 3 intermináveis lanços descíamos (seriam 3?). Aí apanhávamos o comboio, primeiro para Braço de Prata (o que há neste nome?), depois para o Entroncamento, e finalmente saída em Albergaria dos Doze. 2 ou 3km depois, chegávamos a casa.

Não havia intercidades, os bancos eram verdes e estavam frequentemente cheios, pessoas com sacos, tropas. Inter-Regionais, Regionais.

Escrevo isto, e o IC em que viajo pára em Pombal, a 20km do meu destino nessas madrugadas de viagem que se prolongavam dia adentro. Juro que é coincidência. Não vou sair aqui.

Só me lembro de madrugadas...



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