sábado, 29 de agosto de 2009



hoje vi-te

Não te via há algumas semanas, mas hoje vi-te. Fui para uma esplanada com um amigo, conversar, apanhar ar, beber umas imperiais e comer caracóis. Chegaste e sentaste-te a uma mesa de distância, com o teu cabelo loiro liso e ar descontraído de fim-de-semana. Estavas com um mano black de quase dois metros, musculado e de sweat-shirt branca a deixar brilhar os ombros, e pediram uma tosta, um nectar e um café.

Achei estranho não reparares em mim. O teu companheiro reparou nos nossos olhares, e lançava-nos esgares de aviso macho de tempos a tempos. “Esta é minha”. Também estranhei o estares de calções, e o cigarro bem na ponta dos dedos, daquela forma requintada que algumas mulheres pensam ainda ser sedutora nos dias de hoje.

Acabámos os caracóis, as tostas, as imperiais, e fomo-nos embora da esplanada. Para sair, tive de passar mesmo à tua frente. E os teus olhos não deram por nada, não registaram sequer.

Se calhar porque afinal não eras tu. Ou então… porque já não era eu.





The mo[u]rning is over (versão 17)

É tudo o que se me apraz dizer. Já comecei esta posta umas dezassete vezes, e em todas elas – menos esta – apaguei o texto e recomecei de uma forma completamente diferente.

Uma amiga perguntou-me ontem ao jantar se era mais difícil escrever quando se está triste ou quando se está alegre. A resposta, no meu caso, está bem clara no primeiro parágrafo deste texto. Parece que o tormento nos faz querer deitar tudo cá para fora, e quando já não há nada mais para deitar, quando acaba a dose e voltamos ao nosso normal, é como uma luz que se apaga quando saímos de uma sala.

É como nas notícias modernas, afinal. Só interessam se tiverem desgraças e maleitas, de preferência distantes e do outro lado do planeta, mas se forem cá dentro podemos cantar “só neste país”.

Mas desengana-te. Se pensas que vou deixar agora assim de repentemente de postar e de escrever. As palavras são MINHAS. TODAS minhas. E vou usá-las e gastá-las e dar-lhes o pino.

Aliás, por isso é que discordo do acordo ortográfico. Se as palavras são minhas, porque raios não me consultaram? Está mal.

Pode ser que passe a escrever outro tipo de coisas. Como d’antigamente. Não quero voltar a isso, no entanto. Postas de “o que me aconteceu” só são permitidas esporadicamente. Quero continuar a inventar, agora que a manhã passou, a tarde vai ser muito mais longa.

As minhas tardes são sempre muito mais longas que as manhãs.

Queria contar-te acerca do Romeu. Agora não vou conseguir, porque me espera uma esplanadinha e o encerramento da caracol season, mas logo à noite conto-te a história do Romeu. Queres?



quinta-feira, 27 de agosto de 2009



Esta noite tive um Sonho (história verídica) [1]

Sabes que não é comum lembrar-me dos meus sonhos. Mas lembro-me perfeitamente do sonho com que acordei esta manhã. Pode ter sido por estar embriagado de sono, por ter recorrido ao snooze 4 vezes no despertador antes de por fim ter a energia de abrir os olhos para o Rio, não te sei dizer. Mas lembro-me vividamente do sonho com que acordei.

Morava num prédio como aquele em que moro hoje. Uma torre de uns 10 andares, com um pátio todo em redor, onde antigamente, quando era puto, se brincava às escondidas, à apanhada, e se ficava à conversa nas escadas até altas horas de noite, ou até os pais virem chamar, o que acontecesse primeiro. O pátio estava agora cheio de coisas acumuladas no passar dos anos, como mesas e cadeiras de jardim enferrujadas e com tinta a sair, tanques de lavar roupa daqueles antigos de cimento, pilares – também de cimento - de varandas, e podia até jurar algumas réplicas da estátua de Vénus. [2]

No sonho, a minha casa, estranhamente por ser ao contrário da realidade em todas as casas em que já vivi, era no rés-do-chão, e era enorme. E quando digo enorme, quero mesmo dizer enorme. Com inúmeras divisões, muitas das quais pouco visitava, e algumas tão cheias de tralha que nem nelas conseguia entrar. Vivia sozinho, também, mas não era disso que tratava o sonho.

Um dia estaciona à frente do prédio um camião gigantesco, e sai de lá um Sr. que se oferece para carregar todo aquele amontoado de cangalho [3], como se fosse o serviço camarário de monos, mas maior e mais disponível. A oferta rapidamente foi aceite por mim e pelos residentes, que começaram igualmente a trazer das suas casas tudo aquilo de que se queriam livrar. A minha, logo ali no rés-do-chão, foi das que deu mais trabalho. Móveis, mesas, cadeiras, estantes, sacos de roupa, papelada, camas, bibelots, quilos e quilos dali saíram para o camião. Recordo-me perfeitamente de chegar a um dos quartos, agora completamente vazio, com paredes brancas com sombras de móveis, e pensar que era aquilo inacreditável, que nunca tinha conseguido sequer entrar naquele quarto, tão cheio estava. Lembrava-me a arrecadação da casa dos meus pais, em que mal se conseguia entrar (e onde, curiosamente, ainda hoje há um desses tanques de lavar roupa de cimento sólido, que imagino de lá nunca vai sair).

O sonho parou por aqui, com a sensação de alívio e limpeza, minha e nos outros moradores do prédio. O pátio sem tudo o que antes o atulhava, agora limpo, a casa despida de muito peso e onde já se podiam abrir as janelas e respirar algo que não pó, e onde já entrava a luz do dia.

Odeio despertadores.

 

Diz-se e escreve-se por aí muito sobre interpretação de sonhos, com teorias verdadeiras ou inventadas, e este sonho parece-me a mim ter uma interpretação muito óbvia e directa, para ti que conheces a minha vida. Não sei se essa interpretação é verdadeira. Mas posso jurar-te uma coisa: se não for verdadeira essa interpretação directa, isso é que é estranho.

 

[1] Note-se desde já que teria escrito estória se o não fosse, já o sabes, certo?

[2] Repara: tudo isto é verdadeiro. Não estou a ficcionar, por estranho que possa parecer. Posso estar a delirar, mas isso é outra… história. [1]

[3] Se estivesse a ficcionar, improvavelmente utilizaria esta palavra.



domingo, 23 de agosto de 2009



Olá – Quem sou?

Nunca me apresentei. Pensar que já escrevo para ti há sete anos, e nunca te falei de mim.

Sinto curiosidade por quem achas que sou. Homem sim. A idade deves poder calcular. Neste momento, descomprometido e de coração em desocupância. O nome, inspirado no Kafka, vou dizer que é J. A uma consoante de distância da do génio.

Provavelmente revelo muito mais do que penso nas palavras que escrevo. Tenho consciência disso. Diz-me, como achas que sou? Eu estou aqui dentro, só sai um gotejar de palavras quando as posso e consigo apanhar e escrever, mas já são tantas, e tanto da minha vida. E nunca ninguém é o melhor juiz de si próprio, não é o que dizem? Por isso te pergunto, em vez de te responder. Quem sou eu? E porque me sinto assim?

Ajuda-me.

 

(esta posta quase de certeza vai ter uma continuação)



sexta-feira, 21 de agosto de 2009



diz-se nos fóruns da in-ter-net

muitas coisas que são mentira. mas também há por lá, nos fóruns da in-ter-net, muitas verdades incómodas, e muita sabedoria disfarçada.

agora há muitos anos que não vou aos fóruns da in-ter-net, mas antigamente ia lá muito. foi lá que te encontrei, que te conheci e que te namorei, foi lá que casámos, numa cerimónia de palavras trocadas em mensagens e respostas, e apadrinhada por todos os que nos quiseram ler ou interferir com inveja mal disfarçada.

foi lá que vivemos o nosso romance intenso e apaixonado, nos fóruns da in-ter-net. como se fosse o nosso pequeno filme, a nossa curta metragem a muitas cores, a namorar palavras entre uma mensagem e outra, num sexo animal que os corpos nunca poderão reproduzir de igual forma.

depois desligaram a in-ter-net, e nunca mais te reencontrei.





Faltam fazer tantas coisas

Não temos tanto tempo assim à nossa frente, ainda que o possamos pensar. E só temos uma vida. O que temos de fazer? o que falta fazer? não te enche de urgência, perceber o que podes estar a perder por inacção ou inibição? Quantos anos te restam, e quão ricos e repletos de coisas boas vão ser?

Já aqui falei da “maldição” do Confúcio, acho: “May you lead an interesting life”. Pois eu quero lá saber do Confúcio. Até porque ele é tudo menos exemplo, veja-se a vida do rapaz.  O teu dia de hoje valeu a pena? O meu não. Até agora, pelo menos. Quero encher tudo, todos os minutos e todos os segundos, com urgência, como se o mundo estivesse para terminar amanhã. Ao sétimo dia descanso, tudo bem, mas ainda vamos no 3º ou assim.

E tu, vens comigo?



quarta-feira, 19 de agosto de 2009



Aluguei o cérebro

A crise tem destas coisas. Para fazer face às inúmeras despesas do dia-a-dia, sustentar os vícios e as colecções de pastilhas, em que pontifica um pacote de 5, novilho em folha, de pastilhas Gorila verdes dos anos 80. Sim, aquelas que se punham todas de uma só vez na boca ao mesmo tempo até deixar de conseguir falar, com uma expressão alegre e atrapalhada na boca. Vale quase 4000€, há muitos que mas querem abocanhar, malandros!

Mas dizia eu antes de me distrair. Agora acontece muito distrair-me. Às vezes parece que sei porque é, mas quando estou quase a pôr isso por palavras, esquece-me o que ia pensar. Não é que isto de me distrair aconteça com muita frequência. Se pensar bem nisso, a última vez já foi há praí um mês e espinhos. Ainda me recordo assim mais ou menos e tudo.

Porque dizia eu antes de me distrair, e isto sim é do que queria falar. Estou aqui a bebericar um rosê enquanto escrevo para ver se me concentro. Estar a escrever com um copo na mão é curiosamente mais fácil do que escrever desarmado. Onde é que eu ia?

Ah. Estava a falar do que ia dizer antes de me confundir com os vícios e excepções. Aluguei o meu cérebro. É. Vi nos fóruns da internet, estavam a pedir voluntários, e para sustentar os meus vícios e as minhas colecções de pastilhas, decidi alugar o meu cérebro. Li uma vez numa revista que só usamos 10% do nosso cérebro, por isso decidi alugar os outros 90% para fazer investigação médica e descoberta de vida fora do sistema solar. Parece que há muita gente que anda assim, com a cabeça na lua e até mais longe.

Posso dizer que já ando há uns 8 meses nisto, e que não há risco nenhum. Tenho tido aí outros problemas, enfim o normal nestes tempos modernos, mas não tem nada a ver com isso do cérebro. É mesmo verdade o que dizem. Só usamos 10%.



terça-feira, 18 de agosto de 2009



heartfelt

Podia estar a escrever isto para ti… ou para ti… ou para ti. Mas hoje, e agora, estou a escrever só para ti. Pelas palavras directas e bonitas, e pela honestidade que me surpreendeu, e até pelo atrapalhado que fiquei quando as li.

Antigamente havia aquela publicidade

E se um estranho lhe oferecer flores?

Foi mesmo isto, e não é preciso dizer mais nada. São lindíssimas.

Obrigado.



domingo, 16 de agosto de 2009



O Novo e o Mar

Já não mergulhava há mais de um ano!... Desde o formidável live-aboard no Egipto, há algum tempo, que não sentia aquela sensação de imponderabilidade tão característica. Saí com os Andrés, de Sesimbra, e foi um regresso ao River. Um mergulho curto, e na verdade foi pouco o que vimos, mas foi uma delícia ainda assim. O ar estava quente, a água fria, o mar lisinho, a paisagem da costa é linda (a ida e o regresso fazem tanto parte da experiência quanto o mergulho em si), e ainda tivemos a sorte de ver um par de golfinhos à ida :-).
A única coisa que me chateia é a logística. Bem-ditos paraísos turísticos, água a 30 graus, e poder mergulhar de shortie!
Muito bom. :-)



sábado, 15 de agosto de 2009



Rafael e a Viagem sem Fim

Chamo-me Rafael, tenho 27 anos, e sempre adorei viajar de comboio. Quando era miúdo, lembro-me de ser acordado às 6 da manhã pelos meus pais, no meio da bruma matinal, para uma viagem de 4 horas e ligações até ao nosso destino de Verão.

Anos depois, fiz viagens semanais para o norte profundo, para um namoro semanal como o dos pássaros. Passa-se muita coisa num comboio em movimento, não é só o mundo que corre lá fora.

Um dia, ao abrir a janela de manhã, pensei: estou irremediavelmente deprimido. Era bom que assim não fosse, e até conseguia sorrir com prazer, mas não estava a dar. Fui para a Estação Oriente, pedi um bilhete para o próximo comboio a passar. Perguntaram-me o destino, tentando ajudar, mas sabia que não queria que me dessem a mão. “O próximo, e para longe.”

Apanhei-o por pouco, o relógio a tiquetaquear, tive de correr na plataforma. Era um comboio regional à antiga, e o suor escorria-me pela cara quando me sente, com o calor da corrida e da carruagem de metal.

Não queria pouca, mas muita terra, o corpo pedia-me como louco que me tornasse anónimo no meio de Vítores, Gilbertos, Alices e tantos outros ao meu lado.

Quando a viagem chegou ao fim, depois de quarenta e sete paragens, no interior do país, decidi prolongar a minha estadia no comboio, e entrei noutro para outro destino, para uma viagem interminável. Só com uma mochila às costas, passei por todo o lado, até os nomes dos sítios perderem significado e a barba se avolumar no rosto. Era uma espécie de maldição, senti, mas tinha preguiça de deixar aquela liberdade.

Quando passei a fronteira da Croácia, e andava pelos corredores das carruagens à procura de onde me sentar, vi-a a vir em direcção a mim. Também com uma mochila às costas e um brilho triste nos olhos profundos, morena e com ar estrangeiro. Mantive o passo, mas por dentro já estava a correr.

Se tivesse tido tempo de pensar, teria pensado que ela podia ser a paixão da minha vida. Mas não tive. Encontrei maneira de meter conversa, atabalhoadamente. Chamava-se Snjezana, que em português significa Floco de Neve, e na conversa que conseguimos ter senti que os dois sorrisos de viajante se iluminaram, com uma tontura de prazer confundida com o balançar da carruagem.

Horas depois, na carruagem-cama, quando nos beijámos e tocámos pela primeira vez, e depois do silêncio em que não se pode falar para não estragar, fizemos o nosso contrato vitalício:

Continuar sempre aquela viagem sem rumo. Mas agora, a dois.

 

 

Exercício final do curso. Estoirante: escrever uma história usando uma escolha de 10 palavras, 10 frases/expressões, 2 a 4 personagens e até 5 espaços/locais, de entre uma lista com uma recolha que a ‘stora compilou durante as 3 aulas anteriores. Achei interessante que a história se construiu em mim logo durante a escolha das 10 frases. Inspirações que vieram à cabeça durante aqueles 20 minutos foram o filme “2046” do Wong-Kar Wai, que tem uma longa viagem de comboio, o conto da Miúda 100% perfeita do Haruki Murakami que aqui li há umas semanas atrás, e uma amiga croata que tem o nome que usei (“Floco de Neve” era o meu 2º personagem…).

Adorei o curso, e recomendo-o a todos os que gostam de brincar com palavras.





Quando for grande não quero ser…

… nem informático, nem advogado, nem jornalista, nem trabalhar num escritório com ar condicionado, o dia todo sentado numa cadeira à frente das mesmas pessoas e do mesmo computador, a ver a rua lá fora.

Não quero fazer as mesmas coisas todos os dias, ter de levar o raio do carro à inspecção, perder horas de vida no trânsito, a beber café para combater o sono que tenho TODOS-OS-DIAS.

Não quero pagar contas, conhecer poucas pessoas, não ter tempo de ir a sítios, não quero ter amarras nem grilhetas, não poder passar todos os dias a viajar e ouvir línguas estranhas.

Não quero irritar-me, poluir o ambiente, fazer barulho, ter tristezas.

Não quero estar sozinho, e não quero ser só mais um dos muitos biliões de pessoas que já viveram neste planeta com tanta cor para conhecer.





Para crianças: A Rainha Miriam

Era uma vez Miriam, a Rainha do Mar. Poseidon, o seu marido, estava na lua, tinha ido mostrar aos filhos o Mar da Tranquilidade.

A Rainha Miriam passava os seus dias sem grande actividade, rodeada de aias sereias, mas na verdade aborrecida por não ter muito que fazer.

Numa noite de tempestade, em que lá em cima se levantavam grandes ondas e só os raios iluminavam o fundo do mar, bateram à porta do castelo de coral.

Uma sereia foi abrir, e para seu espanto viu um unicórnio branco, todo molhado, a pedir para falar com a Rainha, com o ar mais triste do mundo.

“Rainha Miriam, venho-lhe com um pedido especial, mais ninguém me pode ajudar!”

“O que se passa, Unicórnio?”

“Fui mandado pelo meu príncipe, do Mundo Seco, para lhe pedir ajuda. A princesa, a mais bela moça do reino, foi presa por um monstro do mar. Disse a Árvore Falante que os viu a desaparecer nas águas, e preciso de quem os vá salvar!”

Miriam, a Rainha, pensou um momento e respondeu.

“Unicórnio… já lá vai o tempo de me envolver em aventuras… mas vou ajudar-te.”

Saíram juntos do castelo, a Raínha montada no veloz Unicórnio branco, em direcção ao mar do monstro.

E a seguir, o que achas que aconteceu?

 

 

Outro exercício para crianças. Neste caso tivemos como mote uma selecção de palavras de entre um conjunto identificado como comum em histórias infantis, bem como no conto “A Princesa e a Ervilha”. Acabou por ficar longo demais, tive de terminar com um convite à interactividade :).





Para crianças: O que aconteceria se um crocodilo vos batesse à porta pedindo rosmaninho?

Era uma vez uma tartaruga que vivia no tronco oco de uma árvore, na Austrália dos cangurus e avestruzes. Chamava-se Zé Dundee, e tinha quase trezentos anos bem contados.

Um dia, estava Zé Dundee a fazer um chá gelado, com os seus quatro chinelos, camisa branca de alças e calções, quando lhe bateram à porta do tronco.

“Estranho”, pensou, “é meio-dia e ponto, e está tanto calor. Quem poderá ser?”

Espreitou pelo buraco da porta, e viu que era o vizinho, o crocodilo Jack Aré. Abriu, e perguntou: “Amigo Jack, o que o trás à rua com este sol?” “Oh, meu amigo, a lama do lago secou, e nem uma pinga de água ficou. Como posso refrescar-me assim? Até para dormir está calor demais! Queria era fazer como os ursos e hibernar, mas durante o Verão!” “Oh, meu vizinho, já devia ter dito. Não tenho água de sobra, mas dou-lhe um pouco deste chá de rosmaninho, e aposto que só acorda quando o Outono chegar!”

E assim foi. A tartaruga Dundee no seu tronco oco, Jack a dormir no pouco lodo do rio, ambos passaram o Verão quase sem dar por ele.

 

Outro exercício de escrita de uma história para crianças. :)





Para crianças: A tartaruga e a lebre

“Olha lá”, diz a tartaruga, “que que estás aí deitado na relva, ouvi dizer que eras o coelho mais rápido desde o bugs bunny!” “É verdade, Sr. Tartaruga. Porquê, vai desafiar-me para uma corrida'? Pensa que não conheço a história? olhe que eu não sou tolo!” “Nah, nada disso”, responde a tartaruga, “com este calor estava só a pensar se não te incomoda essa gravata” “mmm… bem, sim. Mas que quer? Isto na sociedade dos coelhos é preciso ter muito estilo!”

 

Isto era só um pequeno exercício para aquecer as palavras, numa aula metade dedicada a textos para crianças. :)





Tenho qualquer coisa cá dentro

… que me manda escrever. Faço-o contrariado, contra vontade, os meus dedos batem nas teclas sem querer, em esforço numa maratona que não sabem se vão conseguir vencer, gotículas de suor nas articulações. Há qualquer coisa que quer sair, mas os dedos não deixam. Sabes a sensação de lutar contra ti mesmo, e não saber se vais vencer? É desorientador, porque parece que não te pertences a ti mesmo.

É como aqueles sonhos acordados que temos na cama, em que nos sentimos a cair, sabemos que estamos acordados e podemos simplesmente pensar que já não estamos a cair, mas não conseguimos. Por muito chão que nos ponhamos por baixo.

Tinha muito este tipo de sonhos, há uns anos. E também o sonho inverso, o do elevador que nunca parava de subir.

Que peculiar este sentimento. Devo estar a enlouquecer.



quinta-feira, 13 de agosto de 2009



Heartburn

Na língua inglesa, esta palavra significa:

Heartburn or pyrosis is a painful and burning sensation in the esophagus, just below the breastbone usually associated with regurgitation of gastric acid. (daqui)

grito_munchEm português, para mim, é aquilo que se sente quando se nos aperta o coração, mesmo no centro do peito, e parece que estamos a arder por dentro, que temos de tirar a roupa e mergulhar na água para apagar a sensação.

Inútil, no entanto, porque o fogo é por dentro, não é físico mas químico, e não se apaga assim.

Ontem tive um final de dia terrível, adormeci no sofá enrolado como num casulo, querendo distância de tudo, e hoje vou ter um mau dia também, porque o fogo ainda está cá dentro.

E o pior foi que fui eu mesmo quem o ateou.

 

Amanhã posso começar a reconstrução. Faltam demasiadas horas. Hoje resta-me arrastar-me minuto a minuto.

Ri-te à vontade, t+35, gasta os smileys todos por aí. Isto já deixou de ser sobre ti há algum tempo. Já és só um quadro deturpado e uma memória-delírio a esquecer o mais depressa possível.

Conseguiste o teu objectivo. Eu já não sou eu.



quarta-feira, 12 de agosto de 2009



Não Lutar (Dar o Litro)

Sempre me disse a mim mesmo que nunca lutaria por uma mulher. Quando lutamos, tornamo-nos em quem não somos, e fazemos o que normalmente não faríamos. Acaba por ser inevitável, naquele momento inicial de sedução, mas não é disso que escrevo.

Tenho um amigo decidido a lutar pela mulher que perdeu para o amante. Está a conceber actos imaginativos, ideias quase loucas, actos de paixão, tudo para a reconquistar. Pode falhar, mas vai tentar, fazer tudo o que puder.

Invejo-o, sabes? Não perdi uma mulher para nenhuma outra pessoa, quanto muito para o delírio, diferenças, e uma imagem incorrecta que eu mesmo construí. Mas queria lutar, ser eu a pôr essas ideias em prática. Sei que a imaginação não me falta, e por (raras) vezes ainda hesito, acredita. Só não o faço porque seria delírio meu. E porque mesmo que conseguisse o que queria, continuaria a não fazer sentido.

Sempre gostei de um bom desafio. Mas neste caso, sei que já fiz tudo o que podia.

 

E já que falo nisto. E tu? Fizeste tudo o que podias?





RAIOS PARTAM

Estou completa e sobejamente irritado [1].

Olha, passou-me. Tinha-me esquecido do que queria dizer, mas acabo de me recordar, por isso passou-me a raiva furiosa com que me aprestava para partir objectos [2] frágeis contra a parede.

Vou desta forma recomeçar.

Hoje na aula de escrita criativa estava a ouvir a João ler o texto final dela, quando uma frase do texto me saltou aos ouvidos:

“…preciso urgentemente que seja amanhã…”

Acho que deixei de ouvir a partir daí (… sorry!), porque esta frase me agarrou pelos ombros, olhou por dentro dos olhos, e me disse: é isto, percebes?Também eu preciso disso.

 

Têm havido vários textos que me agradaram ouvir ali, nestas 3 aulas. Muitas vezes são pequenas frases, outras a beleza do todo, os adjectivos inesperados, a crueza espontânea. Outras vezes é difícil não me deixar levar para o mundo da lua (já te contei que é feita de queijo?), admito. Posso não ter muito jeito para dançar, mas as palavras podem deixar-me muito mais tonto.

 

[1] Já te falei da minha paixão aos advérbios de modo, cujo domínio é o melhor representante do genuíno domínio da língua portuguesa?

[2] Nesta palavra, o “c” deve ser pronunciado de forma dura, como se fosse um k: objektos. Só porque sim.





Num aniversário em 1998

… um par de amigos deu-me o “Leviathan” do Paul Auster. O livro começa com “Há seis dias, um homem explodiu à beira de uma estrada no Norte de Wisconsin.” Vendo pela posta anterior, percebe-se que o amigo Paul estuda muito bem a forma como começa os seus livros.

Adorei este livro, e dei-o a dezenas e dezenas de outros amigos, em toda a espécie de ocasiões. Quase comprei lotes industriais do livro para oferecer e espalhar a verdade e a luz. Depois disto, só me voltou a acontecer algo de parecido com o “Beatles” do Lars Saabye Christensen, mas em menor escala. Todos os Leviathans que oferecia levavam uma mesma dedicatória, além dos obrigatórios “Parabéns” por fosse qual fosse a ocasião:

«Depois apontei para o estúdio e, sem dizer mais nada, conduzi-te através do jardim sob o sol quente da tarde. Subimos as escadas juntos e já lá dentro entreguei-te as páginas deste livro.»

Estas palavras, em que apenas alterava o que assinalei a bold, vêm do próprio livro. Adivinha de onde.

 

(sendo provável que sejas uma das pessoas que recebeu uma cópia, e se não reparaste na altura, ficas pois agora a saber)





Personagem: Um Sítio Sossegado para Morrer (Parte III e Última)

Chamo-me Neli Castilho Neves, e esta é é a minha história.

Saí de Évora e do calor do Alentejo para fugir de casa dos meus pais. A desculpa oficial era que o curso só havia na capital, a verdade era precisar de sair da casa bafienta cheia de móveis de castanho muito escuro em que o sol só entrava para iluminar o pó suspenso no ar.

Apaixonei-me por um colega de curso duas semanas depois de começarem as aulas, com a rebeldia da juventude a contrariar a solidão melancólica no sangue, o meu primeiro namoro e amor da minha vida ainda hoje, de quem me lembro quando menos me espero. Trocou-me por uma loira de matemática, alguns meses depois, e exibiu a felicidade mútua até ao fim do curso.

Comecei a trabalhar depois dos estudos, dias aborrecidos daqueles que passam sem darmos pelo virar da página, num clima branco e asséptico sem objectivos. Envolvi-me com o director do centro, casado, durante alguns meses, até que foi transferido para Mirandela e nunca mais dele ouvi.

Deles dois, só restam fotografias de que me recortei.

O pior de viver sozinho numa cidade grande onde não se cresceu e não se têm muitos amigos é… tudo. Talvez os invernos sejam o pior, os céus cinzentos têm aquela química quase mágica de nos deprimir até as pestanas, e roubar o brilho dos olhos.

Refugiava-me em livros e histórias e salas de cinema cheias, mas onde se pode estar muito sozinha. Uma mulher só atrai sempre olhares e conversas, mas nunca nada me interessou muito, tornei-me apática e incapaz de ter relações sérias. Dias e dias à frente de uma televisão ligada em canal nenhum, o som a confundir-se com a chuva lá fora, comecei a perguntar-me se isto tudo valeria a pena, se não haveria mais nada. A solidão fez-me perder às voltas na minha própria cabeça.

Foi numa das poucas idas a Évora que isto acabou por mudar. Uma amiga que não via há mais de 15 anos deixou-me um cachorro nos braços e disse: “Toma, vais ver que vais gostar.”

Chamei-lhe Zulu, p’lo pelo castanho, ao meu boxer de 60 kilos e forte como um boi, que como um cão de cegos, me levou para longe do sítio sossegado que procurava para morrer.

 

A conclusão do exercício. Um texto na primeira pessoa, inspirado pelo local e personagem criados previamente, e com o seguinte mote: «Eu andava à procura de um sítio sossegado para morrer» (palavras com que o Paul Auster começa o livro “As Loucuras de Brooklyn”). Ler isto em voz alta deixou-me triste a mim mesmo, mas ao escrever sabia que queria um final feliz.



terça-feira, 11 de agosto de 2009



Personagem: O Quarto (Parte II)

É um quarto pequeno, com paredes verdes, há uma lâmpada amarela a um canto a lançar sombras sobre a pouca mobília: uma estante, um sofá de 2 pessoas, uma televisão numa mesinha baixa, dois quadros na parede. A televisão está sintonizada em canal nenhum, com estática, e lá fora, de um 15º andar, a chuva base com força contra o vidro da janela.

 

Segundo parte do exercício: inspirados por um som que parecia o da chuva, inventar um local, e descrevê-lo.Este texto também não foi lido aos colegas.





Personagem: Neli (parte I)

Neli Castilho Neves tem 32 anos, nasceu em Évora, mas veio para Lisboa estudar Biologia Molecular com 18. Vive sozinha com o Boxer Zulu, gosta de tirar fotografias pela cidade e ler sempre que pode. Teve duas grandes relações falhadas, com 8 anos de intervalo, e decidiu que ter um cão era muito mais simples. Mede 1 metro e 70, é morena de cabelo curto e roliça, de olhos muito escuros, e passa o dia de trabalho num laboratório a espreitar para microscópios e a manusear instrumentos delicados em vidro.

 

Primeira parte do exercício: escolher um nome de uma pessoa na lista telefónica, e inventar uma caracterização, criar uma pessoa. Não consegui evitar colocar na descrição um puzzle de pessoas que já conheci. Este texto não foi lido aos colegas.





Personagem: Tiago

Quando ninguém diria que… pudesse acontecer uma tragédia, Tiago perdeu o pai, o maior amigo de brincadeiras, num acidente de viação ao voltar do trabalho.

Mais do que o pai e um amigo, Tiago, quase com 4 anos, perdeu alegria naquele acidente. A mãe, sempre ausente no trabalho e acompanhada algum tempo depois por outro par de calças cinzentas que cheiravam diferente das do pai, não notou, e não o pôde substituir.

Cresceu educado pelas duas empregadas de Pernambuco, que lhe falavam do pai e lhe mantinham um português diferente na ponta da língua.

Quando foi estudar, escolheu a profissão do pai, e percebeu que só uma coisa que poderia restaurar o sorriso há muito perdido, o poder dar a um filho seu o que não pudera ter. Afinal, também tinha um sonho secreto.

 

O exercício começou com “entrevistas” ao parceiro do lado, a que escolhemos dar respostas inventadas. Com base nessas respostas, tivemos de escrever um texto iniciado e terminado com as palavras que marquei a bold. Este Tiago não é, assim, meu, mas do outro João (obrigado…).





Personagem: José Ching

José Ching nasceu em Macau, filho de pais portugueses, e veio para Portugal, depois de uma vida inteira como  barbeiro na Rua José Silva de TugaTown, vencido pelos cortes pente-1 da generalidade da população.

Estabeleceu-se na terra dos pais, onde ninguém o conhecia mas tinha tios distantes, e ainda com boa idade para dar aos dedos, reabriu o negócio à antiga. As duas maneiras doces de banana fassi, e os cortes assertivos e geométricos de lâmina e tesoura ganharam-lhe uma reputação e clientela.

Quem passa por lá hoje, estranha o ar vagamente oriental dos homens da Vila, mas o segredo está bem guardado.

 

Escrito com base numa fotografia de confrontos entre polícias e manifestantes num país do oriente, e depois da selecção de um deles, num retrato a preto e branco de uma barbearia à antiga. Exercício de desenvolvimento de personagem.





Houve um tempo em que a minha janela se abria para…

… a copa de uma árvore, num terceiro andar, e podia ver as cabeças das pessoas cada uma na sua vida, os carros a passar, uma pastelaria no prédio em frente sempre num corropio de gente a entrar e sair, sempre com croissants de chocolate especialidade, que se derrete nos cantos da boca.

quando cresci, subi para o sétimo andar, e quando comecei a estudar, para o décimo terceiro andar. comecei a trabalhar no vigésimo sétimo andar, casei-me no quinquagésimo sexto andar, consegui vista para o mar no andar duzentos e trinta e três… cada andar mais acima mais baixo que o anterior, como se a selecção natural nos estivesse a compactar verticalmente, para acomodar mais e mais gente em altura.

com o tempo, deixámos de fazer a viagem para ir à rua, ruidosa e onde mal já se consegue respirar, e que mal conseguimos ver lá em baixo, pela minha janela. quando queremos passear, vamos para um dos andares-jardim, caminhar por entre as árvores importadas, lagos feng-shui e pássaros a chirlear, com as nuvens brancas almofadadas mesmo ao lado no meio do azul, num silêncio relaxante e calmo.

a única coisa de que sinto mesmo falta, é de ter o chocolate daqueles croissants nos beiços…

 

Isto era o TPC da 2ª aula… completar a frase do título. Claramente inspirado pelo filme “Brazil” do Terry Gilliam e pelos croissants de chocolate da Tarik.



sábado, 8 de agosto de 2009



o arranca corações

toda a gente conhece o santo graal, o cálice sagrado com o sangue de jesus. poucos conhecem o arranca corações, apesar de ter a mesma longevidade e ter impacto igualmente importante. como um alicate de dentista para arrancar dentes, o arranca corações, agora à venda nas melhores lojas, permite arrancar de corações os defeitos que deles queiramos remover, e purgá-los dos virus e células danificadas. também funciona com mágoas sentimentais, memórias, saudades, falhanços, traumas, dores, apertos no coração, e dizem que até seca lágrimas.

é vendido com duas pilhas AA, custa 49,99€, e se vires algum à venda, manda-me um mail, por favor.



sexta-feira, 7 de agosto de 2009



Há dias em que…

… só apetece sair de casa, esquecer o trabalho, zuma no carro e aqui vai ela. Ir tomar o pequeno-almoço a Monsaraz ou beber a imperial mais fresca do país com os pés na praia. Sozinho ou acompanhado, mulher música ou um livro, tanto faz. Só importa o céu azulinho, uma brisa simpática nos braços, um sorriso deleitado, e o prazer absoluto de NÃO FAZER NADA.

 

Exercício simples: completar a frase. :)





Victor, 20 anos depois

Vinte anos depois, Victor emancipou-se. Sempre fora gozado pelos amigo, aquilo de ter nascido num autocarro fora uma maldição, uma dádiva que bem teria dispensado. Todos os autocarros da cidade, mais de três mil, tinham a sua fotografia, que a mãe tinha o cuidado de actualizar anualmente. Mais célebre que o Cristiano Ronaldo, não havia onde não o reconhecessem.

Mas isso acabou. Agora comprou uma lambreta vermelha, a que chamava Virgínia, passou a usar barba (que rapava por altura da fotografia anual), e nunca mais pôs os pés num autocarro. Agora que era anónimo, agora sim, podia ter a sua ter a sua liberdade.

 

 

Inspirado num curto excerto do filme “Em carne trémula” do Almodovar, na cena em que a Penelope Cruz tem um filho, Victor, dentro de um autocarro. Acaba por ganhar, entre outros reconhecimentos, um passe vitalício. O exercício era imaginar a personagem 20 anos depois.



quinta-feira, 6 de agosto de 2009



Com cor

Era um aventureiro. Andou pela terra e pelo mar, dizem que foi à Índia de mochila às costas, jogar à bola com os marajás, a África vigiar os gorilas na selva verde, a Roma fintar o trânsito com a sua lambreta Virgínia, eléctrico de conhecer e viajar, ser turista louco, que não vê o mundo só pela janela da tv.

Decidiu parar aos 60 anos. Escolheu uma cidade que não a sua – porquê voltar a um sítio que já se conhece? – e passava os dias a ver as pessoas, sentado na esplanada, a servir-se do frasquinho de Licor Beirão que levava sempre com ele, rodeado de miúdos a brincar na relva, a trocar olhares com a senhora respeitável da mesa da frente, e a pensar que aqueles lábios ainda deviam saber beijar.

 

 

Numa folha de papel com duas colunas, “Palavras com cor” e “Palavras sem cor”, colocámos palavras inspiradas num fado cantado pela Mariza com letra do O’Neil. Depois fomos à rua, no Largo do Camões, e adicionámos mais palavras a cada uma das colunas. De volta à sala, cada um escolheu uma coluna, e escreveu um texto que as usasse, todas ou não. Escolhi a coluna das coloridas.





jogo de cartas

Ora bem, istos era assim, pah. Eu era tipo o yin, e ela o yang aquela cena a preto e branco dos chineses. Via-a todos os dias no bar do bairro, a beber um café ao final do dia, com pestanas à Jessica Simpson, uma cara assim redondinha e uma boca a pedir um beijo.

Já me estava a imaginar a passar os Verões lá na terra com a miúda, aquela podia ser assim tipo a paixão da minha vida, até a apresentava à malta!

Estava perdido nestas ideias a olhar a moça, quando me berram à orelha: “Joga pah! É a tua vez!”

Dei-lhe uma tampa 15 dias depois, fechei a porta do sonho, e joguei o às de trunfo.

 

 

O exercício começou com passarmos 9 objectos em redor da mesa. Para cada objecto, escolhíamos uma palavra. Depois, com as 9 palavras, e mais uma vez, tínhamos de escrever um texto. O costume :-). As minhas palavras foram: paixão, porta, verão, terra, beijo, orelhas, pestanas, tampa, yin-yang.





Binómio Fantástico

Alice adormeceu cedo, como de costume. Aninhada nos lençóis frescos de Verão. Entorpecida, os sonhos bateram-lhe à porta, e deixou-os entrar. Prmeiro os amigos e o recreio da Escola, a festa de aniversário, os dois peixes doirados com quem tinha longos diálogos. O último a entrar foi o maior do todos, com pompa alegre, Rufas O Cão. De pelo castanho, boca grande e olhos meigos, a língua pendurada e o rabo a abanar. Imaginou-se a brincar no jardim, na praia, era tudo o que podia querer.

À medida que foi ficando cansada de tanto sonhar, pensou em fazer um desenho do Rufas. Assim, ao acordar, teria consigo a imagem para levar no sonho seguinte.

Despertou com o sol a espreitar pelos estores, um olho de cada vez, a espreguiçar-se nos lençóis para onde estava a voltar, estremunhada. Lembrava-se vagamente de ter sonhado, e sentia-se mais cansada do que na véspera. Estranho.

Foi aí que viu, com surpresa, o seu Rufas pintado de fresco na porta do armário, e se lembrou de tudo.

 

 

A ideia aqui foi partir de duas palavras (no caso, cão e armário), e pensar em várias frases em brainstorm que as usassem. Depois, cada um escolheu uma frase e escreveu um texto à sua volta. A minha escolhida foi: “O cão pintado na porta do armário”). Bastam duas palavras para construir uma estória.





Inspirado pelo som dos foles dos Danças Ocultas

Há uns anos atrás, estava no Porto, quando soube de um concerto que ia acontecer em Águeda. Fui de comboio para Aveiro, e daí num regional com muitas, muitas paragens, pelo interior do Portugal real.

Esperava-me um som a quatro foles, dispostos em arco, que com um sopro do fundo da terra, sopraram genuína, muito genuína alegria a quem fez aquela viagem. Valeu a pena.

 

O exercício foi inspirado por um excerto de um CD dos Danças Ocultas, uma parte em que eles tocam apenas com foles. Penso que do primeiro CD, mas não estou certo. A ideia era escrever algo inspirado pelo som.





É urgente…

… ir de férias!

… fazer a proposta!

… tratar da inspecção do carro!

… aprender…

… voltar a mergulhar

… acabar de ler o livro do Bernardo Carvalho

… aproveitar o Verão e o Sol e a Relva e o Mar

… ter calma e ir devagar, respirar fundo e relaxar

… recuperar o controlo

… olhar para o futuro e esquecer o passado

 

O exercício, para aquecer as palavras, é óbvio….



quarta-feira, 5 de agosto de 2009



Guarda-Chuva de Chocolate, claro

Quando olhei pela janela, chovia, e chovia, e chovia. Hoje era sumo de ananás. Sempre era melhor que o sumo de pêssego da véspera, que me dava comichão no nariz, sujava a roupa e fazia a minha mãe obrigar-me a tomar um duche, depois de algumas festas reconfortantes no cabelo.

Voltei à minha caixa de cartão colorido, onde estavam arrumados, bem comprimidos, todos os meus brinquedos. Bem no fundo, bem escondido, estava o guarda-chuva de chocolate, que a mãe me deu na véspera, até já com as meias de vidro encharcadas, para me proteger da chuva.

 

 

O exercício era semelhante aos outros, era preciso construir um texto. Desta vez, não a partir de palavras soltas, mas palavras e expressões: meias de vidro, comprimidos, guarda-chuva de chocolate, festas no cabelo, caixa de cartão, tomar duche, comichão no nariz. Se és perspicaz podes lembrar-te do primeiro (e fabuloso) livro de crónicas do António Lobo Antunes, chamado “Pessoas Crescidas”, de onde foram tiradas todas estas frases. Quase que o adivinhei, lembrava-me perfeitamente do texto :-).





Vai um copo?

As manhãs são de prazer, as mãos num shiuuu…. não fales, não estragues, deixa-te sentir a acordar.

Com a tarde, o tempo muda. A frustração, o vento e chuva da trovoada, o campo alagado de lágrimas, a vela molhada, e o nosso barco que deixou de badolinar.

De noite, recomeça tudo. E é isso que nos faz continuar.

 

 

O exercício era o seguinte: foram passados copos de plástico em volta da mesa, com títulos. Por exemplo, um copo dizia Suave, outro dizia Vermelho. Em cada copo cada um de nós colocava um pequeno papel com uma palavra da nossa escolha, relacionada com o título do copo. Depois de todos os copos cheios, cada um tinha de tirar um conjunto de papéis, um de cada copo, e com isso construir um texto. Um pormenor: um dos copos tinha uma palavra inventada, que tínhamos de meter no texto. A que me saiu foi “badolinar”, que me lembrou “bolinar”. As outras foram: mão, nó, tarde, frustração, prazer, shiuu…, vela, campo, trovoada, manhãs.





Desvertebrado

Não sabia o que fazer. Sem desafogar a visa, rodeado por estranhos todo o dia, preso num desgrito, a despernear numa cadeira confortável com o computador à frente.

Desviajando-se pelos mares do Sul num ritual de mergulhos no mar, o sol, a mente longe. Aqui, na realidade, desnadando a cada minuto. A perder tempo.

 

O exercício era o seguinte: fizemos um brainstorm de verbos, e dos que foram ditos escolhemos 5. Tínhamos de adicionar o prefixo “des” e fazer com isso um texto. Os meus verbos foram: afogar, viajar, gritar, nada, espernear.





Postais

Deixei-te no campo de batalha em Marte, no calor do Alentejo como os teus longos cabelos, sem um abraço sequer. Foi a nossa sorte, foi o nosso destino, foi a nossa cama de espinhos.

Gostava agora de poder voltar a dizer-te Olá, enquanto vou ficando louco longe de ti e de mim mesmo, mas falar-me ao espelho não é o mesmo.

Tarde demais.

 

O Exercício era o seguinte: foram passados em volta da mesa 14 postais, a maior parte deles com reproduções de quadros. Para cada um destes, tínhamos de escrever uma frase. Das 14 frases resultantes, tínhamos de escolher as palavras que gostávamos mais, e com essas, fazer um texto. As palavras que escolhi foram: espinhos, abraço, Marte, espelhos, Alentejo, louco, campo, longe, mim, longos, Olá, sorte. Acima está o resultado.





Escrita Criativa

Comecei hoje o curso. Somos 8 pessoas, 4 homens e 4 mulheres, das mais diversas origens e idades, e ao todo são 4 aulas de 2h30, passadas a maior parte do tempo a escrever “em folha branca”. Vou deixar aqui os textos dos exercícios que fazemos nas aulas. Não por terem alguma espécie de valor intrínseco, mas por curiosidade. Para não estragar o eventual efeito, primeiro mostro o texto, e depois o que levou a ele.



terça-feira, 4 de agosto de 2009



Dizer o que nos vem à cabeça

"Dizer o que nos vem à cabeça não é prova de honestidade mas de falta de senso comum. [...] As relações são frágeis, e o desrespeito verbal, a verborreica excessiva, a falta de contenção, o uso do espaço da relação como vazadouro emocional facilmente conduzem a um cansaço que, como dizia o poeta, não é disto nem daquilo." (revista pública 17maio2009, entrevista com psicóloga Dra. Isabel Leal).



domingo, 2 de agosto de 2009



Onde?

Onde estão as minhas “ronhas”, e as minhas “bimbas”? tenho também aqui muitas para dar… raios partam os Domingos! (e a mim mesmo)

 

Valerá a pena fingir-me feliz se não o estou? se isto me custa mais do que esperava? dou-te a vitória… como diz o Palma… “quem ganhou, ganhou, e usou-se disso / quem perdeu há-de ter mais cartas para dar”. Sei que tenho muitas cartas para dar. Só não é a quem eu as queria dar. Mas certamente será a alguém que as mereça mais, e que possa ser a metade que tu pelos vistos não pudeste ser. Ri-te à vontade. Goza por dentro. Sente-te feliz contigo mesma. Eu tenho pena de me ter apaixonado por quem não era quem eu queria que fosse. Hey, não me posso queixar. Fui de cabeça e parti a cara. Era espectável, não :-)? Que desperdício de investimento, de paixão, de força de vontade, de querer e acreditar. Ainda podia voltar à luta, eu sei. Mas a porta está fechada. E não tenho a chave. E se tivesse…?





Há muitos anos

… mesmo *muitos* anos atrás, quando ainda estava na faculdade, subscrevia duas mailing lists de tipos “marados dos cornos”. Uma chamava-se Leri (o nome inspirado no Timothy Leary) e a outra Future Culture, com várias pessoas em comum. Lembro-me na primeira de um tipo chamado “.rez” e na segunda do Andy “I Feel These Wires” Hawks. Discussões interessantes, nas quais era mais espectador que participava. Uma coisa que por vezes faziam na 1ª eram “net-trips”. Era malta muito dada ao ácido, se me compreendes, e por vezes combinavam noites de ácido e net, à frente do computador, a mandar mails para a lista. A maioria eram mensagens “stream of consciousness”, em que discorriam sobre o que lhes passava pela cabeça em catadupa, com pouca lógica ou sentido para quem não os conhecesse intimamente (e mesmo esses…). Sonhos ácidos electrónicos, e garanto-vos que interessantes de observar.

Interessantes o suficiente, aliás, para me levar a ler (metade) do livro do Hoffman sobre a descoberta do LSD, e das pedras valentes que o tipo apanhou para estudar a droga.

Nunca experimentei, no entanto. E admito que continuo a ter essa curiosidade.

(não é crime, pois não?)

 

ps-acabei de encontrar um dos 4 ficheiros de citações que fiz destas listas… aqui. E logo uma das primeiras é: «i NEVER watch tv any more; i can't interact with it.»

E no final até tem a minha .sig da altura: «Deitaram-se. Blimunda era virgem. Que idade tens, perguntou Baltasar, e Blimunda respondeu, Dezanove anos, mas já então se tornara muito mais velha.» - José Saramago, "Memorial do Convento"

ps2- é curioso o que encontro na net se googlar pelos meus emails antigos, como jota@mujave.inesc.pt, jota@inesc.pt ou jota@amadeus.inesc.pt (nesses tempos ainda não havia spam, as pessoas não tinham medo de ter emails públicos). Arqueologia de mim mesmo, mais uma vez.



sábado, 1 de agosto de 2009



it gets awfully quiet in that place

quase todos os posts que aqui deixo são inspirados nos títulos. aparecem-me na cabeça sem precisar de os trabalhar e pensar, e neste caso foi também isso que aconteceu. acordei tarde, muito tarde, depois de uma noite de vício, e veio-me isto à cabeça. acho que é de uma música, mas não estou a conseguir lembrar-me.

seja como for, depois de um sono irregular e conturbado, a frase faz todo o sentido para mim. fica de facto muito quieto por lá.

pode ser um sítio qualquer. mas eu sei onde é.

conheces A Terra dos Sonhos de que fala o palma? ele escolheu cantar-nos do lado positivo, mas também há por lá os pesadelos. e parece-me mais provável que fique quieto nesse outro lado do que no que foi cantado.

isto tudo para dizer o quê? que posso confirmar. no outro lado fica de facto muito quieto. e como o sei?

ora, tens cabecinha, não tens? usa-a.



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