segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010



Ganharam. Mas estavam a jogar em casa

Estou no Tarrafal, em Cabo Verde, com o Bruno. Está calor, mas não tanto quente que nos incomode, dois portugueses numa viagem de mergulho. As casas são baixas, as cores esbatidas e gastas fazem lembrar o Alentejo no fim do Verão, o chão é de quadrados de pedra, são poucas as árvores e o verde.

Nada disto é turístico, e somos dos poucos estrangeiros na vila. O “resort” tem um guarda armado com espingarda colonial e dois cães patuscos como ajudantes, e arame farpado em volta, por causa dos “roubos que havia antigamente”, como me disseram, em referência ao período pós-independência. Os chalés luxuosos são feitos em cimento armado por pintar, as camas de pinho. Os dois quartos estão decorados com imagens de santos, paredes verde-claro, tule nas janelas, e uma televisão minúscula - em que o Bruno quase não consegue ver o Benfica - completa o quadro.

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O dia começou bem cedo, antes do sol nascer devagar sobre a Baía do Tarrafal. Saímos para um  pequeno-almoço numa sala circular parca em iguarias e delicadezas de conforto ocidental, mas amigável e hospitaleira. Cinco ou seis pessoas faziam-nos companhia no fim do mundo. Em algumas das janelas havia macacos a espreitar atentamente, e só percebi a razão  quando um deles entrou a correr pela sala, num ápice agarrou duas bananas, e correu de volta para a porta. Um crime imperfeito, mas eficaz.

Ao episódio cómico matinal seguiu-se um mergulho. Fomos guiados pelo Carlitos por entre o coral amarelo, com o Zezinho a ficar no barco por segurança. Os dez metros de visibilidade não deixaram que fosse um mergulho perfeito, e o ar que respirávamos sabia a óleo, mas estas dificuldades foram compensadas quando o meu parceiro inusitadamente arpoou um belo peixe prateado que trouxémos para cima. Foi directo para uma panela quando literalmente e com algazarra invadimos a cozinha do Restaurante da lindíssima Ni, onde íamos todos os dias comer o melhor bife de atum do mundo. Cabo-verdeana e casada com um italiano, seduziu-nos com os pratos e com a beleza. Não tenho adjectivos que cheguem para descrever a refeição, que acabámos por partilhar com os donos da casa, mas deixou-nos a todos um sorriso nos lábios e nas barrigas.

Quando saímos a tarde já ia a meio, e demos uma volta pelo mercado. Numa das ruas ouvimos o matraquear familiar de bolas de madeira contra bonecos de metal. Seis rapazes em volta de uma mesa de matrecos entretiam a tarde domingueira com o mais adequado dos desportos. A mesa é abaulada, as bolas quase pretas, e as pernas desiguais, mas nada disso importava. Os jogos são à melhor de dois, com a equipa que perde a sair de jogo. Muita dinâmica e vivacidade. Acabámos por desafiar os dois campeões a jogar uma partida connosco, um Cabo Verde-Portugal a puxar pelos ferros e chutar com força. Três moedas depois, e com alguma transpiração na testa e nas mãos, concedemos uma vitória renhida num jogo divertido e animado.

Ganharam. Mas estavam a jogar em casa.

[Outro exercício do curso de escrita de viagens: uma crónica (verdadeira)]



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