quarta-feira, 27 de novembro de 2002



Parece que a moça quer guerra... :-)

Vi nesse momento a velha que morava nas vizinhanças: perguntei-lhe se alguma vez a afligira o não saber como era feita sua alma. Ela nem sequer compreendeu a minha pergunta: nunca na vida tinha reflectido um único momento sobre o único dos pontos que atormentavam o brâmane; cria nas metamorfoses de Vixnu com todo o seu coração, e contando que pudesse ter de vez em quando água do Ganges para se lavar, julgava-se a mais feliz das mulheres.

Impressionado com a felicidade desta pobre criatura, voltei ao meu filósofo, e disse-lhe: "Não vos envergonha ser infeliz, quando à vossa porta há um velho autómato que não pensa em nada, e vive contente?" "Tendes razão, respondeu ele; cem vezes disse para mim próprio que seria feliz se fosse tão tolo como a minha vizinha, e no entanto não quereria para mim tal felicidade."

Esta resposta do meu brâmane causou em mim uma maior impressão do que tudo o resto; imaginei-me, e vi que com efeito não quereria ser feliz sob condição de ser imbecil.

Propus a questão a alguns filósofos, e foram da minha opinião. "Há no entanto uma furiosa contradição nesta maneira de pensar: porque afinal o que se pretende? Ser feliz. Que importa ter espírito ou ser tolo? E o que é mais: os que estão contentes com o que são, têm a certeza de estarem contentes; os que usam a razão, não têm a certeza de a usarem bem."

Voltaire, História de um bom brâmane

Isto está a ficar pretencioso, hem? :-)))



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