quinta-feira, 9 de outubro de 2003



QuaresmaFui ver o Quaresma. Há muito tempo que nao via um filme português, e espero não voltar a deixar passar tanto tempo. As críticas que li elogiavam bastante a actriz principal, Beatriz Batarda, e deu para perceber porquê.

No papel de um (ou uma :-)) personagem claramente invulgar, Ana, que parece viver - intensamente - numa fronteira do mundo "Normal", esta pessoa algo instável consegue ser imensamente atraente. Se calhar por sentir que vive a vida como que à beira de um abismo.

Numa das cenas da apresentação há uma janela que é aberta para deixar entrar o vento em corrente de ar, com Ana a deixar-se envolver por esse frio, boca aberta e olhos bem abertos. Pareceu-me forçada, aí, mas quando vi junto com o resto do filme, fez todo o sentido. Uma cena belíssima.

Lembrou-me a personagem Remédios (?) do "100 Anos de Solidão", e as mulheres do Saramago, em situações como a da noite de Ana e David sozinhos na casa, permitida pelo marido dela.

Deixo a que para mim foi a frase do filme, dita da Ana para o David: "Quem me ama tem de me adivinhar. Não pode ficar à espera de ordens."

PS: este artigo descreve o que eu gostaria de dizer sobre o filme, melhor do que o posso fazer, até porque é em parte nas palavras da actriz. Deixo uns bocados:

as suas gargalhadas, um riso infantil, meio louco

passa o almoço sem comer: vai tirando as pétalas a um malmequer

mostra-lhe lugares secretos, como as crianças que revelam esconderijos em casas assombradas

Tudo na Ana é sensorial. A única coisa que ela não sente são as temperaturas. Não sente o frio

A Ana tem uma fome pela vida... é insaciável

o lado de "enfant sauvage"

Gostaria de ser capaz de explicar de forma racional o que aconteceu. Mas foi um processo instintivo.

foi bom viver aquela alienação e dizer não a responsabilidades, ao quotidiano, dizer não às mediocridades, dizer não a que as relações têm que correr bem. A Ana ignora as regras do estar em sociedade, não é sequer uma rebelde.

QuaresmaProcurei uma coisa mais despojada que é pura e simplesmente o ela não ter consciência dessas regras - pelo menos ela não absorve essa informação. Mesmo que alguém lhe diga "Quando uma pessoa morre veste-se de preto", ela está-se nas tintas. O encarnado é a cor dela, é o que lhe apetece. Não é uma reacção, é uma alienação. E é disso que tenho inveja na Ana: ela dá-se a autorização para viver de forma alienada. Adoraria ter essa liberdade. Não sou capaz.

é a única que está em contacto com aquilo que realmente interessa

Apaixonei-me muito pela Ana.

Podia ter corrido mal, aquelas experiências de levar aquilo muito a sério.

Muitas pessoas que me são próximas gostaram, mas disseram: "Menina, atenção!" Porque é perigoso. É óbvio que é uma personagem, mas saiu-me mesmo cá de dentro. As emoções são minhas, as lágrimas são minhas, o riso é meu. O Zé Álvaro dirigiu-me, mas eu é que senti.

No fundo ela está a dizer-lhe: "Ama-me, por amor de Deus. O que é que interessa a mulherzinha e a criancinha?" Ela tem esse lado fechado nela própria, egocêntrico, como se nada mais existisse no mundo.


e

Mas o amor é para ser levado até ao extremo, não é? Se não, não vale a pena: é uma companhia para ir ao cinema. Para isso prefiro ir sozinha. Eu adoro amar.

Fosgassssss...
(isto é a actriz ou a personagem?)



Sem comentários:

Enviar um comentário

Arquivo do blogue