terça-feira, 19 de janeiro de 2010



O miúdo e o Mar

“Samuel. Sou o Samuel.”

Foram as primeiras e únicas palavras que lhe ouvi toda a semana, ao leme do pequeno barco de pesca. Não parecia ter 14 anos sequer, um sorriso maroto nos lábios, e muito pouco português.

Tinha ido a Cabo Verde para conhecer o fundo do Mar, mergulhar em condições artesanais em águas maravilhosas e muito pouco exploradas. Ver tubarões. O nosso guia e e dono do barco, o Carlitos, era pescador com arpão sempre que não tinha clientes europeus, o que era aliás raro.

Enquanto mergulhava, o Samuel ficava à superfície a tomar conta do barco, com aquele ar simples e a pele negra brilhante ao Sol, o mar calmo e deserto a reflectir o céu.

 

Voltei lá um ano depois, e reencontrei o Carlitos, agora sozinho com o seu barco. Perguntei pelo Samuel. Disse-me que tinha ido trabalhar para a cidade. Que tinha mulher e dois filhos para sustentar. Que tinha deixado o Mar.

 

 

[2º exercício do curso de escrita de viagens; história quase verídica; hei-de postar aqui uma foto do “Samuel”]



quinta-feira, 7 de janeiro de 2010



Serenada à Chuva

O dia estava seco, o céu azul cheio de sol e sem uma nuvem sequer. Debaixo de nós os dois já tinham passado 400 quilómetros de terra vermelha, sem se ver vivalma. É aborrecido conduzir no deserto, a única companhia lá fora os lagartos à beira da estrada e os sinais a avisar para ter cuidado com os cangurus.

Era fácil conduzir no lado errado da estrada quando não se via ninguém, e a minha companheira pediu para experimentar. Parei, trocámos de lugar com o calor a voar do chão , e recomeçámos o caminho, ainda a 50 quilómetros do parque onde iríamos passar a noite.

Não andámos cem metros sequer – juro – até o céu se encher de nuvens cinzentas muito escuro, e gotas grossas esconderem a estrada à nossa frente.

Acabámos por parar, debaixo da chuva torrencial, sem conseguir ver nada, a olhar lá para fora calmamente e sem palavras.

Só a mim, pensei a sorrir: vir apanhar isto no coração do deserto vermelho. É outra história para contar.

[1º exercício do curso de escrita de viagens; história verídica]



sábado, 2 de janeiro de 2010



dois mil e 10

diz o filme que dois mil e dez é o ano em que fazemos contacto. com o quê, e com quem? não sei dizer. se já estiveram por cá, será refazer o contacto. mas temos tanto medo do desconhecido, deve ser por isso que acabamos sempre por optar por soluções agressivas. aparecem e tufas, lá vai disto. não somos capazes de fazer de outra forma, está-nos nos genes (nas jeans?).

entrei em 2010 na melhor das companhias, rodeado de amigos e pessoas especiais. além de divertido, tive oportunidade de exercitar o meu recente interesse em contar histórias. contei duas, a do rei Salomão e o seu anel mágico, e a da mulher 100% perfeita, do Murakami. já as postei às duas neste blogue. as outras três li-as, e foram dois geniais textos do 1º livro de crónicas do Lobo Antunes (“os meus domingos” e “as pessoas crescidas”) e um conto do Rubem Fonseca do livro “Os Prisioneiros”, chamado “currivulum vitae”. é o nascer de um repertório!!! :-) Acabámos a noite a repetir exercícios do curso de contadores de histórias que fiz, foi muito divertido.

adoro estórias. e gosto de ouvir e de contar.

comprei há pouco um livro de textos do Freud. num dos primeiros, a defender a disciplina emergente (psicanálise), ele escreve o seguinte: “By words one person can make another blissfully happy or drive him to despair, by words the teacher conveys his knowledge to his pupils, by words the orator carries his audience with him and determines their judgments and decisions. Words provoke affects and are in general the means of mutual influence among men.” Em tempos pensei em estudar psicologia. Agora já não, mas continua a interessar-me, por vários motivos. E estas palavras dele são sabedoria pura.

e que 2010 seja o ano em que fazemos contacto.

ps: apetece-me lasanha.



Arquivo do blogue