segunda-feira, 31 de março de 2014



Conversa sobre o Sol

- não percebo.

- não percebes o quê?

- as roupas, por exemplo. Porque estão vestidos com cortinados?

- talvez fosse moda. Ou estivesse muito calor. Ou não existissem agulhas. Não sei. Mas os romanos tinham o mesmo problema, vestidos com lençóis.

- e os sapatos? Nem umas sandálias?!

- podiam ser naturalistas. E vegetarianos, provavelmente.

- não sei. Mas também não percebo o porquê da estaca a sair do olho do da esquerda, e as estranhas posições em que têm as mãos.

- estou a ficar aborrecido.

- eu também. Mas esta gravura inquieta-me.

- eu também ando inquieto.

- então? o que se passa?

- além de estar aborrecido por estar há meia hora a olhar para isto, é o que tu sabes.

- bolas, ainda ela?! andas há uns 2 anos nisso, esquece lá o assunto.

- não consigo. Quero, mas não consigo.

- começa a parecer-me uma obsessão.

- entre a minha e a tua com o quadro grego, não sei qual a pior.

- a minha é recente.

- e a minha é esparsa.

- se calhar estão a falar de mulheres.

- ou de homens. Naquele tempo havia muitos gays.

- mais do que hoje?

- não sei. Mas dizem que eram muitos.

- eram hedonistas. Tens de os desculpar.

- a mim parece-me filósofos. Todos os filósofos se vestiam assim.

- com cortinados?

- ou lençóis, não sei. Assim.

- se calhar estavam a falar da luz. Podiam estar a falar do Sol.

- podiam. Ou de mulheres. Ou homens.

- estás a começar a aborrecer-me, tu.

- estou a pensar nela. Vi-a há dias, está gira.

- mas queres alguma coisa com ela?

- não.

- então porque não esqueces isso? Seja isso o que for?

- não consigo.

- e ao menos sabes porquê?

- acho que sim.

- e…?

- não é quem ela é. É quem ela não é.

- agora podias estar a falar da gravura.

- é. Tens razão. Podia.

- aposto que um deles é o Pitágoras.

- vamos embora.

- sim. Vamos.

 

(mote por AS)





Magnólias

Vou desiludir-me, eu sei. Mas porque não tentar? é a minha sinta, procurar este jogo motivacional, até sedutor. Mais forte do que eu.

 

Via tudo desfocado à minha volta, no silêncio da tarde de Primavera em que só se ouviam abelhas a zunir de vez em quando, e as folhas a roçar umas nas outras, e eu ouvia uma multidão de frases soltas, como se entre dezenas de pessoas a falar ao mesmo tempo em caos de comunicação.

Deitado no chão, escondido atrás das pequenas magnólias cor-de-rosa, focado só no que tinha à frente, como uma lente de fotografia que me não deixava perceber mais nada, levantei-me com um salto, mãos sujas de terra, os olhos fixos nas magnólias, no morro outro lado, na estrada à frente do morro, nos metros de caminho antes da estrada, nos cães destrelados perto das bestas de uniforme que ouvi gritar agarra!, as minhas pernas que se mexiam sozinhas sem precisar da minha vontade, os pés que pisavam um à frente do outro, os latidos que ouvi ou pensei ouvir, a visão de túnel, a tracção da estrada plana, o calor das bocas deles tão perto que as sentia já agarradas a mim, o trepar tropeçado agarrado a ervas e plantas e ramos e silvas, e as mãos já vermelhas como amoras, e o sentido de urgência e vida ou morte – a minha.

Como num filme em câmara lente, dei os últimos passos em cima do monte, nos cantos dos olhos dois cães negros com dentes saídos do inferno, e sem parar para respirar, sem hesitar um segundo, o salto para o abismo, com o mar bem lá em baixo.

Era impossível, continuar a viver assim.



sexta-feira, 21 de março de 2014



textus novae

tenho um desafio novo de escrita que me vai fazer (a mim, blog, que sou o dono e a encarnação deste espaço electrónico) resurgir das cinzas como um sopro num pastel de nata coberto de canela (sim, porque vou esquecer o meu dono de yesteryear e assumir eu mesmo, a tinta negra acesa nesse teu ecrã, a sua propriedade e autoria definitiva). É um acto [*] de rebeldia contra ti, que me tens deixado sozinho tantos dias sem fio.

ora tomai e comei.

 

[*] Jamais escrevei “ato”.



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