Magnólias
Vou desiludir-me, eu sei. Mas porque não tentar? é a minha sinta, procurar este jogo motivacional, até sedutor. Mais forte do que eu.
Via tudo desfocado à minha volta, no silêncio da tarde de Primavera em que só se ouviam abelhas a zunir de vez em quando, e as folhas a roçar umas nas outras, e eu ouvia uma multidão de frases soltas, como se entre dezenas de pessoas a falar ao mesmo tempo em caos de comunicação.
Deitado no chão, escondido atrás das pequenas magnólias cor-de-rosa, focado só no que tinha à frente, como uma lente de fotografia que me não deixava perceber mais nada, levantei-me com um salto, mãos sujas de terra, os olhos fixos nas magnólias, no morro outro lado, na estrada à frente do morro, nos metros de caminho antes da estrada, nos cães destrelados perto das bestas de uniforme que ouvi gritar agarra!, as minhas pernas que se mexiam sozinhas sem precisar da minha vontade, os pés que pisavam um à frente do outro, os latidos que ouvi ou pensei ouvir, a visão de túnel, a tracção da estrada plana, o calor das bocas deles tão perto que as sentia já agarradas a mim, o trepar tropeçado agarrado a ervas e plantas e ramos e silvas, e as mãos já vermelhas como amoras, e o sentido de urgência e vida ou morte – a minha.
Como num filme em câmara lente, dei os últimos passos em cima do monte, nos cantos dos olhos dois cães negros com dentes saídos do inferno, e sem parar para respirar, sem hesitar um segundo, o salto para o abismo, com o mar bem lá em baixo.
Era impossível, continuar a viver assim.
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