Pensamentos Imperfeitos

insensatamente

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017



planeta absolutamente anormal

Foi inseminado para nascer, numa família normal num bairro normal de uma cidade normal de um país normal. Nove meses depois nasceu, limitado apenas pela biologia dos sentidos que a cada dia aprendia como dominar. Parecido a todos os outros, mas silencioso. Não foi daqueles bebés que fazem os pais saltar da cama estremunhados e a esfregar os olhos enquanto resmungam resignados deixa eu vou. As vezes que o ouviram chorar foram raras, e parecia que só quando os olhos atentos e brilhantes não conseguiam perceber o que lhe estava a acontecer.

Com o passar dos anos cresceu. Um rapaz normal e saudável sempre com aquele silêncio e olhos atentos brilhantes. Tendia a ficar a brincar sozinho com as suas coisas adorava pintar, ou encostado a uma parede a ver os outros jogar à bola, e só aquele ar de que algo não estava bem o manteve a salvo da adolescência e colegas belicosos. As colegas olhavam-no com curiosidade de longe, mas o excesso de atenção e a diferença mantinham-nas à distância.~

Os pais levaram-no ao médico, perguntaram se era autismo ou asperguer, mas os diagnósticos não eram conclusivos. Puseram-no a fazer desporto – excelente como guarda-redes sabia sempre onde a bola ia parar, a tocar piano –boa técnica mas pouca imaginação, a fazer teatro – era o primeiro a decorar textos e marcações, mas automático e sem emoção. Acabaram por desistir e aceitar. Afinal, era normal, não fosse o silêncio e os olhos quase assustadoramente atentos.

Esperavam que fosse estudar matemática ou ciências, mas o interesse no secundário foram as áreas humanas. Devorava tudo o que fosse filosofia, biologia, sociologia, antropologia, política, psicologia e estudava com fascínio a igreja, populismo, regimes fascistas, desigualdades sociais, pobreza, conflitos. Parecia querer compreender tudo.


Num pequeno-almoço num sábado de manhã, 16 anos recém-feitos, perguntou à mãe

“Mãe, o que é o Amor?”

Quase largou o copo, de tão inesperada a pergunta. Hesitou e começou com a conversa que já esperava não ter de ter,

“Não é isso, eu sei o que é o Sexo, reprodução e conheço o Corpo Humano. Como é que descubro o que é o Amor?”



No secundário o silêncio e olhos atentos atraíam, já não era só o estranho silencioso de olhos atentos, sempre encostado a uma parede com um pé dobrado e um livro nas mãos, mas o moço inteligente e misterioso com boas notas que se dizia ser de pais estrangeiros e que parecia inspirar sedução com os movimentos elegantes e a madeixa de cabelo solta sobre a testa.

Quando uma moça magra de olhos quase tão atentos como os seus, por trás de óculos protectores sobre um nariz empertigado, com vários livros nos braços, se foi sentar ao seu lado sem dizer palavra e só com um olhar trocado brilho com brilho, estava escrito que a resposta se ia escrever nas vidas dos dois.

Com ela descobriu o que havia para descobrir, do Amor e da Paixão, em tudo o que têm de mágico e calmo e intenso e doentio. Os corpos, o enlear e a transpiração na pele e os lábios entreabertos colados e a saliva e as curvas das pernas entrelaçadas, e o ser-se animal com outro corpo que nos quer consumir tanto quanto nós a ele… E quando meses depois ela mudou para outra cidade normal no país normal, com o final do ano de estudo e o Verão a limpar o céu de nuvens, percebeu que tinha a resposta que lhe faltava.

Saiu de casa de noite, caminhou quase três horas na noite quente para fora no bairro normal da cidade normal. Sentou-se de pernas cruzadas no cimo de um monte, com a via láctea por cima, árvores e uma ligeira brisa nos braços sem mangas, e com um sussurro percebi, fechou os olhos e deixou o país normal do planeta absolutamente anormal.



sábado, 14 de outubro de 2017



e por fora perguntei-te “já?”, e por dentro perguntei-te “e tu?”

não é que tenha alguma coisa especial para dizer, mas de repente na mente esta frase pareceu-me um bom título (lembras-te do céu vermelho côr de chouriço?) e não resisti a vir aqui beber um capuchinho contigo. senta-te, vamos, não estejas aí de pé a tremer de frio, a lareira está aí por um motivo, e os lobos estão lá fora de dentes aguçados e olhos raiados de… chouriço.

só tenho aniz, desculpa. sei que não és fã de erva doce, mas ajuda a aquecer. também te posso emprestar as minhas mãos, têm uma produção generosa de calor que partilho de bom grado contigo, e que já me ajudaram em momentos difíceis. especialmente o médio, que é o dedo com nome menos glamoroso possível, mas de função absolutamente essencial. quem mais escreveria o e ou o s com tanta arte e engenho?

não percebo porque dizem que capitular é desistir, se um capítulo é uma parte de um todo (tomo?) mais longo. terá um significado greco-latino como a luta livre, mas decapitular também era uma boa palavra para esse contexto. seja como for, ser tenacious (“don’t give up easily”, I helped Olaf) implica isso mesmo. e se há um precipício para onde os lemingues se projectam inesgotável

a minha comida tem ingredientes a mais

… inesgotável energia, dizia, eu não sou um desses, porque os meus dois pés me obedecem e não à turba que me rodeia com frémito de salto. imagino sempre os lemings

(passo muito tempo a imaginar lemings)

com penugem de cor de laranja e desenhado como aqueles bonecos dos estúdios giblitikiti no japão, uma massa inesgotável

just don’t fuck with them

… a caminho do precipício onde uma jovem estudante (penso que coreana, não sei o que estava a fazer aqui) deu um salto para cima para a fotografia e acabou por se despenhar 60 ou mais metros lá em baixo. morreu. provavelmente de pescoço partido ou outras lesões internas.

é uma história triste.

nunca a conheci (nem vou conhecer, como à vizinha do lado), mas espero que tenha brilhado tão intensamente como tu brilhas em mim.

NearNGC1365



domingo, 25 de dezembro de 2016



Miss Takes, 2016 as they say GFY

change_kxcdNot turning this into a diary, hence whatever I write may or may not be true and anyway whatever words I write will only be so vaguely connected to whatever happens or has happened or will come to happen in the future. Also, I will be using random bolding or italicizing of words to confuse you.

Which is actually the truth of most things I write here on too many interspaced occasions.

2016 was a year of change, and so full of learning opportunities that I must actually take some time out to ponder them with their due importance. which I probably will never do.

(i’m tired again of this uppercase and lowercase thing, dropping it for now)

first time i write since i moved to the uk. i am in the conservatory, alone with some music and random beeps from messaging apps, and i look outside and see the raindrops falling in the puddles in the shale grey platform outside, under the cloud covered light gray sky. random sentences come to my mind.

I have seen attack ships on fire off the shoulder of Orion.

But under spell of deep sleep he moans and turns away / Taking his protection and my desire to stay.

What a wicked game to play / to make me feel this way

change is good, they say. change is not only good, it is actually necessary. it is a fact of nature. but we are human beings, and change for the sake of change is not good. it must be because we believe it will be better for us. or must it?

 

FutureInnerProber_2FutureInnerProberI hereby present you the Future Inner Prober and Advisor: FIPA. This revolutionary machine, created to the highest standards of scientific and industrial quality, can look at your present self, analyse your feelings and emotions, and though a powerful set of machine learning algorithms harnessing the collective intelligence of millions and millions of similar humans beings (a crow just flew outside my window), as well as facts about the culture and economy and the world outside, help you make the right decisions at the right time.

Never again be in doubt. Now you can balance at every single moment, on the one hand your happiness with any given choice, and in the other how well it will turn out for you in the future.

TAKE BACK CONTROL OF YOU LIFE, WITH FIPA Mk.1! All of £69.99 (or 30€ if you are in the EU).

see the chart up there on the top right? see the two marks on the bottom left corner?

i wonder. i wonder which of these choices, of these changes, were the right ones. even if some still make me feel sad, and others fill me with joy. i feel vaguely delirious and alucinating, with a heart and mind that is both empty and full, a superposition of quantum states. just like the screaming voice in this song, which – I find – makes all the difference.

one good thing of change, regardless of the outcome, is that you prove to yourself that you can do it. even if it is jumping of a cliff or brit lemmings dropping of the EU.

 

“oh we shall endeavour to miss him dearly, he was a good chap”

 

worry not.

 

this chap here will rebuild, and smile again. after all, there is much that is good and makes him smile already.

 

i guess this is my message for 2017. or wish, or whatever.

THERE WILL BE CHANGE. “Man up”, like Jorge said once, and deal with it.

 

 

 

fuck it, this post made no sense, even for me.

 

oh, there was something else i wanted to add, something that came to my mind a few days ago. maybe the time has come for me to become an adult. finally, and after all these years. i am terrified at this.



sexta-feira, 26 de agosto de 2016



revealing.myself

lomoinstant1lomoinstant2lomoinstant3lomoinstant4lomoinstant5lomoinstant6

 

(estou bem consciente de que há uma história aqui para contar, mas não me apetece fazê-lo neste momento, cansa-me).



domingo, 21 de agosto de 2016



womaninred_landscape

(a title would be pretty obvious… something between the crying game and the woman in red)





it wasn’t meant to be this way (or: august in the UK)

Chuva no Tamisa

Canchete Muere

… but it does fill the air with the wondeful scent of the wild flowers and lavander.



sábado, 20 de agosto de 2016



seriosamente

lido4a sério que só pode ser masoquismo e continuo a achar que não trocava isto por mais nada como é satisfatório ter as veias a pulsar com sangue o coração que por vezes quase pára ou me aquece por dentro o passo interrompido por uma imagem ou palavra que nos toca como uma brisa de Verão e por vezes manda abaixo mas sentir isto é inevitavelmente bom mil vezes melhor que estar sentado numa secretária a olhar pela janela e ver os carros e pessoas passar lá fora com uma manta ao colo e braços cruzados sobre as pernas

tiro na cabeça, isso

parece que nos queremos atirar de uma janela meter num avião comboio e fazer o que não se deve e não se pode e é sempre assim nunca são as coisas como queremos mas a energia que sentimos – sinto – está dentro de mim independentemente do que o resto do mundo – e tu – sintas ou deixas de sentir

preciso disto

mesmo que nunca te toque que nunca te veja ou te beije

preciso disto

e juro-te que com 100 anos ou 80 ou 60 ou 50 ou 45 ou seja com que idade for vou sempre olhar para isto como dias que valem a pena como aventuras que enriquecem que me tornam a mim uma pessoa com mais histórias para contar e mais retalhos dentro, ainda que inamável

a sério



segunda-feira, 11 de abril de 2016



Os Principais Erros Estão Por Cometer

harpoons_cvxJ0Vê-se nos programas de mar as peles das baleias grandes e tubarões cheios de cortes e marcas.

 

Vê-se nos animais da selva, leões e outros felinos, marcas de rasgões no pelo, orelhas cortadas.

 

Em nós, homens e mulheres, estão invisíveis os maiores retalhos e cicatrizes.

 

Em nós, homens e mulheres, há a chamada “meia-idade”, uma coisa aproximada entre o nascimento e o fim da vida, e que está sempre no nosso passado. Bom era saber onde é O Meio Termo dos Erros, o ponto a partir do qual podemos descansar porque o pior já passou.

 

(e pronto, era só isto, uma reflexão)



sexta-feira, 8 de abril de 2016



esta noite os cães ladram mais alto

sem saber porquê, o diálogo consigo próprio foi interrompido centezas de vezes pela canzoada que na rua coroava a solidão devastada que sentia. olhava para trás e sentia a ausência de significado em tudo aquilo, o irromper da luz constantemente interrompido pela surpresa de não haver chão. ou de estar lá o chão de sempre, com os ladrilhos em padrão cor de tijolo como em casa da avó, e ter medo de o pisar.

passaram 700 anos, e sozinho no quartocasaprédiobairrocidadepaísplaneta continuava a olhar pela janela para o nada lá fora, as janelas abertas ao sol e ao vento morno e à luz da lua sempre brilhante sempre cheia sempre reluzente no céu, um sol nocturno.

depois de se viver na luz, tem-se medo do escuro. com a luz sempre no céu, mãos na liberdade, pode ir-se a todo o lado, sem medo das feras e dos uivos dos vultos cinzentonegros que se entrevêem. mesmo sem saber o que vai estar do outro lado. mesmo sem saber.

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domingo, 27 de março de 2016



Uma Posta Que Não É Ficção

Esta posta não é ficção. Há muito tempo que não escrevo aqui texto que não seja ficção. Mas desta vez é assim mesmo. Vou escrever uma posta no mais correcto português de que sou capaz (pré-acordo, claro), e com tanta seriedade que jamais os cantos dos lábios se desviarão da mais euclideana horizontal.

 

Ah, a questão do português posso aldrabar um bocadinho, tábem? é que ao mesmo tempo tamém mapetece escrever com marcas dóralidade, como me disse aquela professora do secundário. Mas ignora. E pensa assim: sempre quencontrares algo que te pareça um erro, repensa-te e considera: provavelmente foi intencional. É mesmo assim.

 

Um Piano na Praia com uma menina em cimaOra estava eu a caminho ou já em casa dos meus pais, para o tradicional mas não católico almoço de páscoa, quando li umas coisas nuns blogs que me passaram pelo telemóvel a caminho do cérebro. Uma destas coisas que li, na musa dominical, foi este texto caqui está. Não é nada de especial, um daqueles apelos à simplicidade pre-electrónica, ou à capacidade de conseguir (“conseguição” é palavra?) deixar algum espaço das nossas vidas fora da tecnologia. Mas a verdade verdadinha é que gostei da sugestão feita: a partir de uma determinada hora da noite, desligar todos os ecrãs. Seja de telemóvel, portátil ou televisão. Porque isso vai levar à felicidade interna (que é muito parecido com felicidade eterna, o que ia escrever, mas muito menos religioso e logo mais interessante), e dar mais tempo para um ror de outras coisas libertadores que em muito contribuirão para o bem estar matinal e nocturno.

Ora quem me conhece sabe que sinto a tentação de – estando a começar este parágrafo também com a denominativa palavra “Ora” - fazer por repetir a proeza com todos os outros daquilo que aqui vier a escrever. Mas dizia eu: quem me conhece sabe que sinto a tentação automaticamediata de ser céptico e dizer um “ya ya” dismissivo (quero lá saber que não exista), fica-te lá com a tua felicidade enquanto eu me vou aqui continuar a ler postas de lifehacking e felicidade interna no resto dos blogs. Mas alto e páróbaile, que mapece mesmo experimentar. A autora decidiu desligar ecrãs às 2300, mas esses horários matinais não são para mim. Vou fazê-lo isso sim, mas à meia nôte. Que tal? E aguarda aí que vou colocar uma alarmística na despertadoriana do telemóvel, um pouco como um kill switch na realidade: ora (lá está) atoca e adesligate. E porque o fiz? o que me persuadiu a experimentar foi este esnipet do text:

Rather than laying awake, though, likely thinking about work the next day, I chose to pick up a book. And then another, and then another. During the month of January, I read more than the previous six months combined. In fact, I could now read for an hour and still be asleep earlier than my normal time. And the best part? I didn’t feel like I had wasted any time by doing work and watching filler TV in the background.

Ora disto eu gostei (lá está, e vão 3).

 

Ora tenho mais coisas para d’zer. Depois de ler este texto passei para outro, e o que li a seguir também me transmitiu energias (pela simples recepção de fotões na minha retina, não estou a falar de disparates sobrenaturais calma lá): foi estaqui, e independentementementemente de achar que o autor está a levar alonge ademais a ideia de associar a ansiedade ao Delayed Return Environment (versus Immediate Return Environment):

Most of the choices you make today will not benefit you immediately. If you do a good job at work today, you’ll get a paycheck in a few weeks. If you save money now, you’ll have enough for retirement later. Many aspects of modern society are designed to delay rewards until some point in the future.

Mulholland-Our-Inner-VoicesOra eu podia lá está cepticamente dizer que estamos numa sociedade de consumo imediato, mas vamos por um momento suspender o tal cepticismo e seguir onde o contaautor nos leva. E onde nos leva? (agora fiquei aqui meio despalavrado na forma de continuar a frase). Leva-nos a um par de caminhos, mas o 2º foi o que me brilhou nos olhos: Shift Your Worry, from the long-term problem to a daily routine that will solve that problem. E melhor ainda, mais abaixo dá alguns exemplos pessoais, tendo eu sido inapelavelmente atraído por dois deles:

    • Writing. When I publish an article, the quality of my life is noticeably higher. Additionally, I know that if I write consistently, then my business will grow, I will publish books, and I will make enough money to sustain my life. By focusing my attention on writing each day, I increase my well-being (immediate return) while also working toward earning future income (delayed return).
    • Reading. Last year, I posted my public reading list and began reading 20 pages per day. Now, I get a sense of accomplishment whenever I do my daily reading (immediate return) and the practice helps me develop into an interesting person (delayed return).

Ora cástá. Era aqui que queria chegar. Dá-me buéeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeda gozo estar aqui contigo (eu tenho sempre só um leitor, e já desisti de quaisquer pretenções ao nobel de lit’ratura quando tinha 3 anos didade). Isto cogajo escreve é atotalmente verdade. Não faço dinheiro com palavrinhas, por isso essa parte não saplica, mas dá-me gozo estas duas coisas, são os bare essentials de mim [1]. In-descritível. Empatizei de instantimediato com a frase da qualidade de vida augmentada.

Ora mas não te vás embora ainda já tão cedo, cainda tenho mais uma cenita para referir nesta posta que tencionava introspectiva sobre uma cena gira que encontrei, mas que se está a tornar num exercício masturbatório que lembra o adolescente “Eu cá sou bom” dos Xutos.

 

 

Mmmmm.

Na realidade, fui reler a terceira cenita que queria referir-te, e na realidade não gosto muito da coisa, e o que antes vi como sendo curioso agora já não me parece sê-lo tanto assim na realidade. Talvez o cepticismo a que aludi nos dois casos anteriores me tenha invadido o cérebro como o mosquito da zika, mas olha prontos é assim mesmo e asssim sendo acho que já disse tudo o que tinha a escrever e fico-me por aqui.

Mas não temas, não temas, leitor singular. Porque se depender de mim, voltarei para te zikrinar o juízo. E com um sorriso horizontal nos beiços :-) .

 

 

[1] “Os bare essentials de mim” dava um bom nome de filme ou livro, numa outra qualquer realidade.



terça-feira, 22 de março de 2016



Dramatis personæ, diálogo

- Romeu
- Olá, Julieta
- Preciso de falar contigo
- Então?
- Reparaste que deixei de te responder às cartas?…
- Sim, claro. Porquê?
- Porque nos estávamos a aproximar, e tu não podes, e eu achei que era a opção mais sensata. E agora que nos vemos, é justo dizer-to.
(pausa)
- Fizeste bem. Obrigado. Já tinha suspeitado disso.
- Sim? Então?…
- Estavas a começar a fazer-me pensar. E não sou pessoa para tomar decisões sensatas, ainda bem que tu o és. (pausa) Despedimo-nos agora?
- Suponho que sim… mas…
- Então adeus, Julieta
(pausa)
- Adeus, Romeu

(e quando o pano cai, na sombra do invisível, colaram os lábios)



domingo, 21 de fevereiro de 2016



Rapaz, Maria

Espertos foram os que ficaram lá dentro. Quando as balas perdidas começaram a cravar-se nas paredes, a partir os vidros, e a penetrar nos corpos dos incautos, espertos foram os que ficaram lá dentro.

“A Maria-rapaz”, era como me chamavam na escola quando era miúda. Adoptei o nome quando cresci, usava o cabelo curto e vestia como lembrava ao meu pai que se finou na guerra em Flandres dois anos depois de eu nascer. “Sou a Maria Rapaz”, dizia com uma pausa a não deixar espaço à ambiguidade sobre a inexistência do hífen, ao mesmo tempo que tirava as pistolas tapadas pela samarra, e atrás de mim entravam o Diamantino e o Urbano, já com as Tommys apontadas a funcionários e clientes sem discrição ou discriminação, e com meia face coberta por lenços pretos.

Mas a vida andava difícil, tanto para nomes como para cognomes. O governo do Salazar deu à GNR uns jipes com rádios recebidos dos alemães, e tínhamos uma hora se tanto para limpar as caixas de bancos, caixas agrícolas ou CTT, amontoar os cofres de metal em sacos de serapilheira, e sair dali a toda a brida ao volante do Venâncio – que aprendeu a conduzir o Citroën Traction Avant preto que o tio trouxe de França e que foi o primeiro carro que se viu em Brinches. E para mim, se é para fazer, é para fazer bem feito - não deixar uma moeda no fundo de uma gaveta sequer. Mas o tempo não dava para tudo, e a vida andava mesmo difícil.

Em Sobral da Adiça o golpe foi simples, mas não rendeu mais que um punhado de escudos e ainda foi preciso gastar umas balas para afugentar curiosos corajosos. Abalámos pela noite para Puerto Peñas, onde o taberneiro alugava um quarto privado e todos os duvidosos da região se reuniam até o vinho adormecer sobre as mesas com o sol a raiar. Mas nessa manhã não raiaria.

“SOY EL CAPITAN ÁNGEL DE LOS CARABINEROS! SALGAN DE AHÍ CON LOS BRAZOS EN ALTO, CABRONES!”

Nunca tinha visto o Capitão Ángel, nem o seu famoso bigode preto, mas conhecia-lhe a reputação brutal nas fronteiras com Portugal e França, e não se passaram dois minutos para ver da janela do 1º andar - enquanto calçava as botas - uns quantos mal despertos saírem de mãos no ar. Seria a última súplica que fariam. “Es aquel!!!”, disse um dos Carabineros, a apontar para um jovem efeminado, e o grito despoletou os disparos.

Nunca mais vi o Diamantino, o Urbano ou o Venâncio, mas não os imaginava numa prisão espanhola, e os fogachos de luz já voavam também em direcção aos carros policiais. Saltei pelas traseiras, aproveitando para navalhar sem hesitar o pescoço do taberneiro traidor e da sua mulher pequenina que se escondiam na casa da lenha, e desapareci na serra das Peñas para nunca mais ser vista em terras de Portugal y Espanha.


Dizia-se que na América é que a vida andava fácil.



quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015



Fernando “Nanã” (1950-2015)

Para mim, a morte deve ter também algo de alegria, pelo que nos foi dado pela pessoa que deixou de estar connosco, e que fica agora apenas como memória. As minhas de ti são principalmente de juventude, na Cartaria.

De caminharmos pelo pinhal à noite (descendo o vale, um atalho!) no regresso do café para casa, e de me dizeres que em em tempos – não há muito tempo - houvera lobos por ali. Café esse onde me deste as primeiras moedas para jogar no poker das máquinas, e depois ficaste a ver como a sorte me ajudou a ganhar uns quantos jogos seguidos.

De andar contigo aos pardais com a pressão de ar, de até lhes conseguir acertar mas nunca ter sido capaz de os provar sequer, a apanhar maçãs ou pêssegos ou amoras nos terrenos de um vizinho e outro (“estas maçãs são boas”, “os pêssegos do avô na cumieira? são os melhores”).

De andares a derreter luvas de borracha para enrolar em paus com que íamos fazer armadilhas para apanhar bicos-de-lacre ou verdilhões, correndo pelo campo para os apanhar quando ficavam colados e puxavas a rede.

Ou de irmos ao Agroal de bicicleta (20km!) para pescar com a minha cana verde minúscula, peixes minúsculos de rio – lembro-de de um furo num regresso, arranjado ali algures na Freixianda. Ou de pescarias no Tejo, onde agora são as docas, em que insistias comigo para não devolver e,m segredo ao rio os peixes pequenos incomestíveis que mordiam o anzol em vez dos grandes “porque assim apanhamo-los de novo!”

Ou de perceber que não havia mal nenhum em achar a missa uma seca, numa tarde à porta da igreja no Seminário da Portela, com a missa a decorrer lá dentro (seria a comunhão da Rita? :-)).

Ou pelas Ginas, secretas, que ainda aí tenho (shiiuuuu).

Ou pelos livros de cóbois, em que o heróis tinha sempre mais de “6 pés” de altura quando entrava na pequena cidade onde iria acabar por se revelar um pistoleiro bom e impôr a ordem ou vingar uma maldade, por génios da escrita como o M.L.Estefania (mais tarde descobri ser o M.L. de Marcial Lafuente). Ou pelos livros do Major Eduardo de Cook e Alvega, que impunha a ordem nos ares com o seu Spitfire a preto e branco aos quadradinhos.

Ou pelas notas de 1000$ nos aniversários ou no Verão, partilhadas com a outra afilhada Sandra.

Ou pelo inacreditável telefonema para o suporte técnico da Zapp, faltavam minutos para a meia noite de 24 de Dezembro, de onde tivemos quase de te arrancar!! :)

Ou do despertador de campaínha que te deixava sempre para tocar às 04h da manhã, quando voltava a Lisboa no fim das férias de Verão. :) Nunca comentaste, nunca soube se percebias e o desligavas antes.

Ou pelos gelados que trazias da Unilever, para os almoços de domingo em casa dos avós.

 

 

Obrigado. :’-(

 

Há uns anos segui um cortejo fúnebre que era fechado por 3 músicos cabo-verdianos a tocar mornas, no alto de são joão. Aqui fica uma música para levares contigo.



quinta-feira, 1 de janeiro de 2015



Sweet, cold January 1st, 2015

Mal ou bem, não podia deixar de me lembrar de que passaram 20 anos. Somos os neurónios que nos trazem consigo.



domingo, 14 de dezembro de 2014



Iuriy

It was a cold morning, that of October 9th, 2008 in Yevpatoria, Ukraine. Yuriy’s watch was showing 07:02 when he climbed the metal steps to the circular base of RT-70, and opened the locks. The 6º C and strong winds always got to him. He waved weakly to the television people setting up outside, and closed the door behind him.

One hour later the control room was clean, and there wasn’t a dust particle in the always-on computers. Technicians started coming in, and he retreated to his small room, with a window facing the back of the 70-meter radio-telescope, a few green trees on the plain outside.

He looked at his watch, his own special 1MWF Sturmanskie, given to him by his father, an astrophysicist and “failed cosmonaut”, as his mother always said. 08:27. He used it every day, but some days it felt heavier. It was just like the one Yuriy Alekseevich Gagarin had worn in the first Earth orbit in 1961, with a black bracelet and golden frame. Last time it felt this heavy was 5 years before, for Cosmic Call 2. Powerful signals were sent to deep space, to five different stars. The signal was due to reach the closest star only in 2036.

This time the target was closer. Gliese-581c, the third planet of star Gliese-581, smack in the middle of the habitable zone, believed to be a potential host for life because of the possible existence of liquid water, had been recently discovered. A super-earth, 5x the mass of our planet, its year lasts 13 days, and was found using the Radial Velocity method, where the wobble of a star is measured and used to deduce the presence, mass and size of planets around it. It’s a Red Dwarf, small and cold stars that can be comfortable for life because of their long lifetimes, and represent the majority of the stars in the Universe. Gliese-581 is one-third the size of our Sun, twice as old, and close to us at about 20 light-years away.

The popular press and social networks went wild when the planet was discovered, and the ensuing speculation led to that day: October 9, 2008. At 09:00, the A Message From Earth (AMFE) powerful radio signal was shot towards Gliese-581c, containing messages and photos selected from a global competition. The signal was expected to arrive in 2029.

After all the cameras and excitement of the television transmission, Yuriy was the last to go. A swipe of the floor, taking out the garbage, he turned off the lights and went home. He didn’t expect to be around for a return signal, 40 years in the future.

Shortly after the signal was sent, Gliese-581c was dismissed as a candidate for life. A likely runaway greenhouse effect, the scientific papers said, and temperatures exceeding 500º C. The search for life moved to other exoplanets.

But the signal went on.

 

It was the Spring of 2029 on Earth when the signal reached Gliese-581. Yuriy was in a hospital bed in Tiraspol, Moldova, exiled from home by the Russia-Ukraine war. It was long over, but he never went back. Aged 84, he slept most of the time, rotating the spring on the Sturmanskie every day.

The signal reached the 3 planets orbiting the star, closer to it than Mercury is to Sol.

Gliese-581c did not have a runaway greenhouse effect. Tidally locked, with the same side always facing the star, it has a permanent day affected only by huge sun spots, with the average temperature of about 12 degrees Celsius going down when they passed.

The center of the day-side, a roughly circular region that some would call Equator, received more light and was hotter. Mostly land, it was the home to two intelligent species: the Coldbloods inhabiting mostly in the center, and Hotbloods mostly on the coast. All of them short and strong, with wide 4 and 2 legs respectively. With the sunny side being about 450x the surface area of the Earth, there was no lack of space or need for conflicts. Plus, it was too tiring - time in 581c went by slowly. The ocean, which was circular and occupied the outer half of the planet, all around and near the dark side, was made of freshwater, and had been the source of life millions of years ago, when its metallic core was more active and volcanoes spewed lava and created solid land.

The dark side is only reachable by longboats, and only the Hotbloods go there, fascinated by the day turning into night, the water that turns into ice, the dancing lights in the sky that start halfway in the trip, and the shinning dots behind them. All around the planet, auroras that never sleep mark the separation between the day and dark side. Their cause is the same as on Earth: charged particles from the star’s winds hit the magnetic field, interact with it and cause currents of charged particles that travel to the circle that separates day from night. Reaching the atmosphere, they collide with the nitrogen and oxygen that compose it, excite them, and cause them to emit light. The Hotbloods see in the infrared, where the star emits most energy, so the color that they see in the sky is a dancing, fascinating, hot, blue.

100km into the dark side, the Hotbloods have built their first antenna facing the shiny star-dots. It took them almost 100 years to build, and 10000 years later, it had mapped the sky, the unreachable shinning dots, found thousands of planets, transmitted messages every day, waiting for a reply that never came. And even the long-lived Hotbloods grow tired. “Nothing out there”, they concluded. As it was powered off, the last Hotblood slowly entered the skidvehicle under the antenna, maybe sad of what was being left behind and would not resist the cold for long. “Nothing out there”, he thought, as the AMFE signal entered the atmosphere.

 

Back on Earth, Yuriy’s heart stopped beating.

 

 

[nota: escrito como exercício final para um curso Coursera, “Imagining Other Earths”. Poderia simplificá-lo para tirar alguma da ‘hard science’, mas fica assim]



domingo, 20 de abril de 2014



ela comia pérolas

Não havia ninguém vivo naquele T1 de solteiro, as luzes apagadas e a noite lá fora, ar de há muito não ter gente dentro, o pó já pousado nos poucos móveis. Ninguém, excepto o dono da casa, que à secretária no quarto, estava debruçado sobre a única foto que tinha dela, tirada fazia 2 meses.

Aproximamo-nos devagar por trás, sobre o ombro espreitamos a foto solitária no tampo acrílico sobre cor de pinho do ikea.

Na pouca luz do quarto, só de um candeeiro pequeno ao lado da cama, observamos também a foto com grão.

Adivinhamos que os olhos dele estão focados nela, de cabelos pretos curtos brilhantes, e no sorriso que dirige ao fotógrafo. Alterna entre o sorriso aberto dela com o sorriso aberto dele ao lado dela, na mesma fotografia. Compara as pontas dos lábios levantados, os dentes sorridentes, o brilho nas bochechas cheias.

Duas horas depois, em que não o vemos mexer e só o sabemos vivo porque os olhos se mexem e o peito sobe e desce devagar mas sem cessar, vemos o que ele já viu, o que ele não suspeitara quando a foto foi tirada.

Ao sorriso dele, em que está toda a vida e alegria de um momento, contrasta um sorriso um nada menos autêntico, um nada forçado, um nada de eu-não-estou-toda-aqui.

Diz-se que podemos ler muito nos olhos dos outros, mas nesta fotografia quem fala é o arquear incompleto dos lábios dela, num sorriso menos que quase nada genuíno.

Saímos do quarto, deixamo-lo entregue à fotografia, e não precisamos de perguntar porque há pérolas brancas, a brilhar como luas, espalhadas pelo chão da casa.



segunda-feira, 31 de março de 2014



Conversa sobre o Sol

- não percebo.

- não percebes o quê?

- as roupas, por exemplo. Porque estão vestidos com cortinados?

- talvez fosse moda. Ou estivesse muito calor. Ou não existissem agulhas. Não sei. Mas os romanos tinham o mesmo problema, vestidos com lençóis.

- e os sapatos? Nem umas sandálias?!

- podiam ser naturalistas. E vegetarianos, provavelmente.

- não sei. Mas também não percebo o porquê da estaca a sair do olho do da esquerda, e as estranhas posições em que têm as mãos.

- estou a ficar aborrecido.

- eu também. Mas esta gravura inquieta-me.

- eu também ando inquieto.

- então? o que se passa?

- além de estar aborrecido por estar há meia hora a olhar para isto, é o que tu sabes.

- bolas, ainda ela?! andas há uns 2 anos nisso, esquece lá o assunto.

- não consigo. Quero, mas não consigo.

- começa a parecer-me uma obsessão.

- entre a minha e a tua com o quadro grego, não sei qual a pior.

- a minha é recente.

- e a minha é esparsa.

- se calhar estão a falar de mulheres.

- ou de homens. Naquele tempo havia muitos gays.

- mais do que hoje?

- não sei. Mas dizem que eram muitos.

- eram hedonistas. Tens de os desculpar.

- a mim parece-me filósofos. Todos os filósofos se vestiam assim.

- com cortinados?

- ou lençóis, não sei. Assim.

- se calhar estavam a falar da luz. Podiam estar a falar do Sol.

- podiam. Ou de mulheres. Ou homens.

- estás a começar a aborrecer-me, tu.

- estou a pensar nela. Vi-a há dias, está gira.

- mas queres alguma coisa com ela?

- não.

- então porque não esqueces isso? Seja isso o que for?

- não consigo.

- e ao menos sabes porquê?

- acho que sim.

- e…?

- não é quem ela é. É quem ela não é.

- agora podias estar a falar da gravura.

- é. Tens razão. Podia.

- aposto que um deles é o Pitágoras.

- vamos embora.

- sim. Vamos.

 

(mote por AS)





Magnólias

Vou desiludir-me, eu sei. Mas porque não tentar? é a minha sinta, procurar este jogo motivacional, até sedutor. Mais forte do que eu.

 

Via tudo desfocado à minha volta, no silêncio da tarde de Primavera em que só se ouviam abelhas a zunir de vez em quando, e as folhas a roçar umas nas outras, e eu ouvia uma multidão de frases soltas, como se entre dezenas de pessoas a falar ao mesmo tempo em caos de comunicação.

Deitado no chão, escondido atrás das pequenas magnólias cor-de-rosa, focado só no que tinha à frente, como uma lente de fotografia que me não deixava perceber mais nada, levantei-me com um salto, mãos sujas de terra, os olhos fixos nas magnólias, no morro outro lado, na estrada à frente do morro, nos metros de caminho antes da estrada, nos cães destrelados perto das bestas de uniforme que ouvi gritar agarra!, as minhas pernas que se mexiam sozinhas sem precisar da minha vontade, os pés que pisavam um à frente do outro, os latidos que ouvi ou pensei ouvir, a visão de túnel, a tracção da estrada plana, o calor das bocas deles tão perto que as sentia já agarradas a mim, o trepar tropeçado agarrado a ervas e plantas e ramos e silvas, e as mãos já vermelhas como amoras, e o sentido de urgência e vida ou morte – a minha.

Como num filme em câmara lente, dei os últimos passos em cima do monte, nos cantos dos olhos dois cães negros com dentes saídos do inferno, e sem parar para respirar, sem hesitar um segundo, o salto para o abismo, com o mar bem lá em baixo.

Era impossível, continuar a viver assim.



sexta-feira, 21 de março de 2014



textus novae

tenho um desafio novo de escrita que me vai fazer (a mim, blog, que sou o dono e a encarnação deste espaço electrónico) resurgir das cinzas como um sopro num pastel de nata coberto de canela (sim, porque vou esquecer o meu dono de yesteryear e assumir eu mesmo, a tinta negra acesa nesse teu ecrã, a sua propriedade e autoria definitiva). É um acto [*] de rebeldia contra ti, que me tens deixado sozinho tantos dias sem fio.

ora tomai e comei.

 

[*] Jamais escrevei “ato”.



quarta-feira, 19 de junho de 2013



Menos Quatro em Munique

Esta é a história das quatro pessoas que não apareceram para o embarque do voo de Munique para Lisboa no dia 17 de Junho de 2013.

Pelas janelas rectangulares do avião, vimos os cubos de bagagem a ser descarregados para a plataforma, e um senhor arredondado e a transpirar do calor do sol, a verificar a etiqueta de cada uma das malas que depois atira para o chão. O piloto, primeiro em alemão e depois em inglês, explica que quatro pessoas fizeram check-in mas não apareceram no embarque. É preciso encontrar-lhes as bagagens antes de arrancar. O senhor arredondado encontra uma dessas malas, um saco preto desportivo, e atira-o para longe com particular energia. Depois de arrumar o resto das malas de volta, arrasta-a pelo chão para o camião de brincar que a leva juntamente com as restantes, encontradas essas por dois moços de cabelo curto espigado, um deles turco e chamado Onur. O voo parte pouco depois, e aqueles quatro ficaram para trás.


Anya tem 28 anos, e vai com o namorado Robert de férias a Portugal, pela primeira vez. Querem conhecer Lisboa, leram sobre a boa comida, o bom tempo, uns tais de pasteis de belém, o rio e a praia de areia dourada, com um mar do sul que lhes parece irremediavelmente quente. Ela sente-se mal no aeroporto, enjoada, e começa com vómitos. Ele está desamparado, entre a preocupação com ela e com o voo para as primeiras férias juntos. Anya ficou branca, sem susto a justificar, e com tensão baixa. Falaram com o médico no aeroporto, mandou-os de urgência para o hospital. Suspeitava o que seria, mas não podia ter a certeza. Poucas horas foi tudo esquecido. Anya e Robert vão ser pais.

O senhor José Nakamura, nos seus sessenta e oito anos, vai voltar à cidade que viu por instantes há mais de 30 anos atrás. Brasileiro, largou São Paulo e tudo o que tinha para ir trabalhar no primeiro restaurante de sushi de Berlim. Nunca se conseguiu ambientar ao ambiente ou às pessoas, mas os dias passaram sem deixar muitas marcas, conseguiu abrir em nome próprio outros 3 restaurates na cidade, e depois expandiu-se. Gostava da neve e da calma de Munique, e divertia-o por dentro a Oktoberfest que parecia fazer os alemães soltar as amarras controladas do dia-a-dia. Primos, e família que nunca tinha visto e que já nem todos tinham nomes japoneses, iam estar em Lisboa a conhecer os Jerónimos e comer o tal Bacalhau com azeite da tradição por-tu-gue-sa (pronunciavam sempre assim a palavra). Foi atropelado por um taxi com um casal inglês ao entrar para o aeroporto. Iam para Londres, moravam em Greenwich, e estavam atrasados para o seu voo. Ele um consultor financeiro, ela decoradora de interiores com predilecção por padrões floridos. O condutor estava distraído, não travou ao negociar a pressa de chegar às partidas. Conseguiram embarcar a tempo.

Tem 48 anos, vai a uma reunião de trabalho em Lisboa com a equipa de gestão da multinacional de seguros em que é gestora. Vive sozinha, tem dois cães, uma casa com um pequeno relvado e um pinheiro nórdico, um filho de 18 anos que vive com o pai. Passa horas no ginásio, tem o corpo torneado de alguém que se preocupa com imagem, usa saltos de 3 dedos, saia azul presa nos joelhos, camisa branca impecável, óculos que costumam estar assentes no cabelo louro escuro preso atrás, numa mão um smartphone, na outra a mala do portátil. Não tem tempo a perder, e sabe sempre onde o põe. Na porta G33 de embarque para Lisboa, ainda está ao telefone a ultimar pormenores para os dois dias em que vai estar fora. Ouviu a última chamada para Lisboa, a poucos metros de distância, com os olhos desfocados. Deixou a mala com o portátil, o telemóvel, e os óculos numa cadeira, e duas horas depois embarcou anónima para Marrocos.


E foram felizes para sempre, aqueles quatro que não apareceram para o voo de Munique para Lisboa no dia 17 de Junho de 2013. Menos o senhor José Nakamura, mas já teve uma vida muito cheia.



sexta-feira, 29 de março de 2013



José e Maria

José sentia a transpiração, que lhe encharcava a camisa com o calor abrasador que vinha de cima e deixava tudo seco e quente ao toque. Dos cabelos escassos e normalmente secos caíam pingos que levantavam pó seco ao tocar o chão, como uma bomba atómica no mar. A sombra que fazia no chão era o local mais agradável de todo o mar de calor em seu redor, de tão quente que lhe subia pelas calças adentro, fazia transpirar as pernas, o aquecia a ferver. Sentia nas mãos os nervos de uma pequena árvore rugosa, morta, que queimava ao toque, e onde não encontrou nada que pôr na boca. José estava molhado por fora, mas seco por dentro, e na boca seca só entravam as gotas salgadas que escorriam do rosto.

A casa estava perto, e sentia no ar um vago cheio a feijões, o almoço que imaginava na boca e saboreava, a água fresca onde queria encher-se e mergulhar o rosto, mas não conseguia abrir os olhos, a luz branca e quente do céu cegava-o, o calor roubou-lhe o caminho de casa. José estava parado, apoiado na pequena árvore, a tentar adivinhar o rumo para Maria.

Na casa quadrada de uma divisão só, como um oasis na terra amarela frinchada por milhas e milhas em todas as direcções, Maria encostava o nariz aos vidros quentes, à espera de José perdido. Beijou-o com os lábios generosos, como se beijando o vidro beijasse a José e a tudo o que estava lá fora, e aquele sinal marcado em cada um dos quatro pontos cardeais o pudesse guiar de volta. Chamou por ele baixinho, na sua voz calma e segura, pediu que não se demorasse, disse que precisava dele, que nunca devia tê-lo deixado sair com aquela idade.

Respirou fundo, deixou húmido o vidro em que tinha acabado de deixar um O, e foi abrir a arca. A tampa chiou, no silêncio ouviu-se com perfeição cristalina a fechadura de metal a bater e ceder. As mãos procuraram o tecido em fibra por baixo de todos os cobertores de lã, as camisolas que lhe picaram a pele há mais de 70 anos, quando brincava nos jardins onde os pés se enterrava com um sploch na neve, as camisas brancas e arejadas com cintura delgada de menina, de quando a grande seca ainda não tinha começado. Lembrava-se de ser branco, de ser fresco, do cheiro a novo que agora tinha sido substituído pelo de poeira e anos acumulados.

Vestiu-o, supreendendo-se por o corpo de 80 ainda caber no vestido do corpo de 20, e por ter deslizado com tanta facilidade. Arrastou os pés descalços pelo chão de madeira morno, sentindo os sulcos entre cada ripa, puxou a cadeira de madeira em frente à mesa, com pratos postos, o mesmo feijão que de tantos anos já lhes sabia a todos os dias, mas que os confortava aos dois, com o cheiro que enchia a casa quadrada de uma divisão só. Esticou a mão para a jarra de água fresca, puxada do furo profundo debaixo da casa, sentiu no frio do vidro as gotas de água gelada que continha, e sentou-se para esperar.

 

 

E quando já não o esperava, e em toda a casa nem o pó se mexia no ar, sentiu o rodar da maçaneta a encher tudo.

 

(proposto pela Sofi)



segunda-feira, 9 de abril de 2012



Pedra Preta

Uma limpeza. Vieram por entre a neblina ao nascer do dia, vi-os descer o monte com erva verde de inverno, e levaram tudo o que não estava preso ao chão. Mulheres, crianças, velhos, tudo o que tivesse valor. Os homens em idade de lutar já tinham fugido. O meu pai fez-me prometer que não saía do celeiro, que esperasse pelo regresso dele, e desapareceu por entre as árvores da floresta. Levava um farnel às costas, num saco de pano castanho que a minha mãe lhe tinha dado há muitos anos atrás, em dias melhores.

Do alto do celeiro vi tudo o que se passou na aldeia. Sem me mexer, vi a passividade das pessoas, a incredulidade revoltada. Serem levados como cordeiros, à força das armas, a história do homem a repetir-se em pleno século XX. O padre, o cura, o senhor da venda que na semana passada me deixou cair a caixa de pepinos no pé. No hospital engessaram-me e mandaram-me ficar sem me mexer duas semanas. Ao fim do primeiro já tinha assinaturas de todos os amigos, um census da aldeia escrito no gesso.

Olhei o céu, vi a nuvem, branca como uma folha de papel, perfeita e redonda mesmo em cima de nós, espectadora impávida do espectáculo que sob os seus panos se escrevia. Dois tiros levaram a paz ao padeiro e à mulher, pelo atrevimento de defender o forno dos hirsutos de uniforme militar. Assustei-me, soltei um grito mal contido, quando os vi cair. Ele devagar, para a frente e dobrando-se sobre ela própria, ela projectada para trás com violência.

Vieram-me buscar pelos braços, a arrastar pelo chão e quase largado escadas abaixo.

“É um miúdo”, ouvi as vozes lá em cima, por entre pernas e canos de espingarda. “Não consegue andar”. “Pena.”, responderam-lhe. E ouvi o estampido, num cavalo humano.

 

Na noite que caiu depressa ouvi uma voz de mulher a cantar, com aquela melodia tão balcânica que tão bem conheço, suave e fria, e perguntei-me se seria a minha mãe, de quem só lembro umas fotos a preto e branco.



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012



3 quadros

Eu

Estava sentado ao balcão do bar. Não se lembrava bem de como lá chegara, era a primeira vez que ali estava, e fora todo o caminho cego, de mãos vermelhas de tensão no volante. Atrás do balcão as bebidas em garrafa variadas do costume, por uma janela de vidro turvo a chuva lá fora não podia faltar, nos copos de whisky o gelo não chegava a derreter-se. Contava os minutos, olhava sem ver para as outras pessoas, sozinhas ou a par ou em grupos, a beber cerveja em voz alta ou a relaxar nas mesas, o ar acolhedor em que só sentia frio. Esperava por ti, que não chegavas, e pensava em tudo o que tinha de te dizer. Pensava em insultar-te, na amizade traída, em ver-te pela última vez, em pregar-te um murro e deixar-te no meio de chão.

Tu

Ficou sentado no carro quase uma hora, a ver a chuva a escorrer pelo vidro, sem saber se devia ir-se embora ou entrar para falar com o amigo. Já o conhecia há mais de 20 anos, uma amizade automática sedimentada em muitos anos de partilha e vida comum. Sabiam quase tudo um sobre o outro, partilharam as maiores alegrias e tristezas. Noitadas, férias, aventuras, miúdas, os casamentos, o divórcio, os filhos do amigo. E sabia que a conversa que ia ter, quando entrasse por aquela porta, podia ser a última.

Saiu do carro e entrou no bar. Viu o amigo ao balcão, inquieto, e dirigiu-se para ele com passos inseguros.

Eles

Da minha mesa não consegui perceber o que se passava. Só vi um deles, de fato e em mangas de camisa, empurrar o outro com violência e cair em cima dele para o chão, esmurrando-o atrapalhadamente. Engalfinharam-se como numa briga de miúdos até os separarem. O outro, com um lábio rachado, compôs o fato como pôde e saiu cabisbaixo, perante os insultos que o primeiro, a quem prendiam pelos braços, lhe berrava. Só o soltaram depois do outro sair, e depois de lhe chamarem um taxi e sair a cambalear, nunca mais o voltei a ver.

Saias, até aposto.





Riscos azuis

Primeiro escrevi uns rabiscos, rápidos e direitos, a testar a ponta macia. Em perfeitas condições, o tom de azul perfeitamente adequado às intenções. Mãos tratadas de mulher, pele suave, unhas pintadas. Em casa, escrevi sem cessar. Parei para o jantar, e voltei ao papel, furiosamente por vezes, muito devagar outras. O que tinha de sair saiu, em horas dedicadas, milhares de palavras, folha de papel atrás de folha de papel, frente e verso. A noite batia as 4 horas quando depois de uma passagem lenta, o papel ficou molhado numa pequena forma circular, a tinta azul misturou-se nela como fumo de incenso no ar, e deixou de sair, deixou de agarrar o papel.

Deitou-me fora, atirou-me para o cesto do lixo quase com raiva, ainda a meio a tinta no tubo. Já o livro que escrevi, esse teria algum sucesso, um romance triste em tons de azul, para mulheres sozinhas com os seus gatos.



quinta-feira, 31 de março de 2011



do amor mais pequeno ao coração maior

a forma mais curta de dizer a outra pessoa que a amamos.

uma forma curta e singela e repleta de magia e promessas e empatia e proximidade de corpos e vidas e sentimentos e alegria e ao mesmo tempo felicidade.

um espelho em que nos olhamos mas se reflecte o outro.

uma palavra só.

não o batido verbo amor na forma reflexa. o amo-te que pode ser mágoa quando não correspondido, ou dito como despedida.

só…

 

nós.



terça-feira, 1 de março de 2011



Quero dizer a TODOS o teu nome

mudei, é verdade. porque

quero que todos saibam, quero dizer o teu nome a todos com quem me cruze, quero espalhar a notícia pelos sete cantos do mundo, contar a quem me oiça o que sinto por ti, contar os pequenos detalhes, do sorriso mais encantador e alegre a sorrir de volta para mim, dos olhos quase negros a desenhar incansáveis cruzamentos nos meus, esses olhos que dizes sem saber serem “só castanhos” mas que brilham cá dentro. sem que nem eu nem tu nem eu nem tu percebessemos que magia nos envolveu que magia desde o primeiro momento daquela desta magia...

quero que todos saibam, porque contigo perco-me nas horas que passam sem as conseguir ou querer deter, porque beijo os teus lábios e a tua boca e a toda quem és como se fosse adolescente, sem me cansar nunca, porque te abraço para te sentir minha e junto a mim, porque me falham as palavras quando estamos a conversar e brincar, porque me fazes ficar de olhos húmidos, porque me arrepias e derretes com um oceano pelo meio…

quero que todos saibam o teu nome, porque pouco te conheço e te conheço há anos em sete dias, porque tenho a saudade a bater cá dentro quando não te tenho, porque te quero apresentar a todos os amigos, levar a todos os lugares, porque me fazes não querer pensar temer ou recear, porque gosto de sentir o que sinto por ti, porque gosto de saber que sentes o mesmo.

porquê? porque estou completa, completamente apaixonado por ti, Sofia.

e têm todos de saber isso.



sexta-feira, 17 de dezembro de 2010



Last Night

caTSFicámos à frente da televisão, já não sei se a ver um filme, se a jogar um jogo. Mas adormeceste no sofá ao meu lado, e tive de com carinho te roubar da ronha e levar para o quarto comigo, enquanto protestavas com birra de sono. Fingiste que querias dormir, mas agarrei-te e beijámo-nos e… fizemos amor um com o outro. Com carinho, com paixão, com entrega, uma fusão de corpos e de espíritos, um prazer profundo e único, uma comunhão que me preencheu total e absolutamente e me deixou... feliz.

Adormecemos juntos, agarrados, a respirar no teu pescoço, junto ao teu calor, corpo com corpo, quase só uma pessoa, poucas coisas poderiam ser tão especiais como estes momentos. Se a vida fosse sempre assim todo o planeta seria um sítio muito mais feliz.

E esta foi a nossa última noite juntos.



terça-feira, 14 de dezembro de 2010



fugas

O texto seguinte não está datado. foi encontrado, por assinar, no final de um bloco de folhas quadriculadas. a transcrição é integral e conforme o original.

«Estou cheio de sono e hoje  o dia foi pouco produtivo. Hoje tenho de me deitar cedo, não ficar a jogar até tarde com pensamentos idiotas na cabeça. Felizmente ela não me contactou mais. Cairei na real talvez. Ainda bem? A quem minto eu?

Não estou para isto. É amizade, é amizade. Fónix. Não gosto de coisas não claras, não gosto – detesto – sentir-me assim cheio de altos e baixos. É um suplício, está a fazer-me mal e não quero isto. O meu cérebro conspira contra mim e isto é uma tensão que não me agrada. Não vou insistir, e sair graciosamente. Isto não, isto não, isto não.

Não me podes desiludir. Já me desiludiste. Não esperar nada. Isto é a chave. Não esperar nada. Nada. Não esperar. Nada. Não esperar nada. Esperar a conversa “depois de jantar”
não esperar nada
        não esperar nada
                   não esperar nada
                            quase que dá vontade de que argentina passe depressa, para poder ter toda a liberdade de fazer o que me dá na real gana. E agora não posso fazer isso. Não posso estar sempre disponível e não ter nada de parecido. Acabou a disponibilidade universal, acabou o Verão. Neste fim-de-semana. Na 6ªf.»

O texto infelizmente não está datado, mas assume-se que seja de uma data anterior à viagem à Argentina, em que perante alguns motivos de insatisfação, o autor anónimo chega a exprimir vontade de que essa passe depressa, para que perante o descontentamento que sente, possa agir.

Não temos mais informações.



segunda-feira, 13 de dezembro de 2010



In Pain

(excerto do filme “Simple Men” de Hal Hartley)

«Just be quiet and go to sleep.
  
- I can't sleep.
- Why not?
  
I'm in pain.
  
- What?
- I got a broken heart, man.
  
- Bullshit.
- I do.
  
What happened?
  
I was set up.
Double-crossed.
Betrayed by the woman i love.
  
- Who, mom?
- No!
  
- Vera.
- Who's vera?
  
I don't want to talk about it.
  
- Suit yourself.
- You wanna see a picture of her?
  
- Wow, she's pretty.
- I would've done anything for her.
  
- Sorry.
- I just can't understand it.
  
- You'll get over it.
- No, dennis, i will not get over it.
  
- Yes, you will.
- Dennis, i love this woman.
  
- You've loved other women.
- Not like vera.
  
- Vera was special.
- Believe me, you'll get over it.
  
Yeah, you're right.
  
Tomorrow...
i'll get over it tomorrow.
  
- Now go to sleep.
- But i'm not gonna fall in love anymore.
  
- Fine.
- Women don't want you to love them.
  
Tomorrow...
the first good looking woman i see...
i'm not gonna fall in love with her.
That will show her.
Yeah. The first good looking
blond woman i see...
i'm going to make her
fall in love with me.
I'll do everything right.
Be a little aloof at first.
Mysterious...
seem sort of thoughtful, deep.
But possibly a bit dangerous, too.
Flatter her in little ways
but be modest myself.
They all fall for that shit.
Make her fall hopelessly
in love with me.
Yep. Mysterious,
thoughtful, deep, but modest.
Then i'm going to fuck her.
But i'm not going
to care about her.
To me she's going to be
another piece of ass.
Somebody else's little girl
who i'm going to treat like dirt
and make her beg for it, too.
I'm just going to use her up.
Have my way with her.
Like a little toy,
a little plaything.
And when i'm done...
i'm just going to throw her away.  
  
Are you through?

I haven't even begun yet.
  
Go to sleep.
  
I can't sleep. I'm in pain.»

Tirado daqui. Este diálogo, na forma como o irmão mais velho diz “I’m in pain”, sempre me tocou profundamente. Para quem não viu o filme, ele acaba por conhecer uma mulher, que o acha misterioso e etc.

E apaixona-se por ela.



domingo, 12 de dezembro de 2010



Comunicado Oficial da Presidência da Pessoa João

Concidadãos,

depois de aturada conversação e avaliação das circunstâncias que tão recentemente afligiram o nosso rectangular ser, gostaríamos de aproveitar a oportunidade para clarificar junto de todos um facto de que apenas há pouco tomámos conhecimento racional.

O motivo para o atraso na revelação deve-se à complexidade do processo auto-reflexivo em si, que c0m frequência levou este comité para observações circulares e argumentos e memórias secundárias, que tornaram impossível uma objectividade que apenas circunstâncias que poderemos classificar de extraordinárias permitiram revelar.

O facto em causa refere-se como não podia deixar de ser ao recente encerramento da relação com a Pessoa Que Não Vamos Nomear, nas circunstâncias que são por todos e pelos demais desconhecidas. Ao contrário do que até agora veio sendo vinculado na comunicação social, wikileaks, e inclusive comunicados anteriores à imprensa, sobre a reduzida dimensão do que a Pessoa João pretendia da Pessoa Que Não Vamos Nomear, o que a Pessoa João pretendia da Pessoa Que Não Vamos Nomear não era efectivamente pouco ou limitado.

Não sendo obviamente algo que fosse pretendido para agora, para o já, e serem de esperar anos e meses de maturação da ideia e de avaliação mútua das duas Pessoas envolvidas (e respectivos cidadãos), que como é de todos conhecidos têm diferenças que seria necessário avaliar e compatibilizar, o objectivo claro da Pessoa João era efectivamente forjar laços com a Pessoa Que Não Vamos Nomear de uma natureza permanente e duradoura, que teriam de ser construídos meticulosamente com base em afectos e agradabilidades mútuas mas construtivas e progressivas, e que porventura passado algum tempo resultariam em uma ou duas Pessoas Júniores e, se fosse vontade de ambos, numa união de natureza civil-matrimonial.

Desta forma desfeita falta de informação, e cientes de que o presente esclarecimento em nada altera os eventos já colocados em movimento, cumpre-nos lamentar a demora no processo reflexivo que permitiu a esta Pessoa chegar a esta conclusão, e a consequente demora na informação aos cidadãos, e esperar que em eventuais processos futuros esta clarificação e compreensão seja atingida de forma atempada.

Lamentando o sucedido,

P’la Presidência da Pessoa João,

-joão



quarta-feira, 8 de dezembro de 2010



Maldito Orgulho

Acordou devagar como sempre, entorpecido de uma noite longa, com a sensação de que alguma coisa estava errado. Já se estava a levantar quando se lembrou de que ela já não estava na sua vida.

Romperam violentamente na noite anterior, rasgaram tudo o que os tinha juntado, sem olhar para trás ou tentar perceber porquê, não houve sanidade nem violência, mas uma calma fria e cortante e incompreensível e distante, como se nem fossem eles que estivessem ali, como se não quisessem ou pudessem dar-se ao luxo de admitir que se calhar até gostavam um do outro e que as coisas podiam até resultar, porque isso era fraqueza.

Romperam violentamente, e sabia que não se iam voltar a ver. Podiam pensar um no outro, podiam querer voltar a estar juntos, de certeza que se iam perguntar o que raios lhes tinha acontecido, mas não iam mexer-se para inverter fosse o que fosse, e as linhas iam divergir inevitavelmente. Ambos conheciam as regras do jogo, jogavam-no há demasiado tempo, e sabiam dos flancos que só se expõem uma, no máximo duas vezes na vida. Não o iam fazer outra vez.

Mas quando se joga à defesa não se marca, e o maldito orgulho não os deixou sair de onde estavam, cada um por si, a retomar a sua vida normal. 85% mais pobres, que estupidez tão trágica.

Não foi capaz de sair da cama, nesse dia.



(ps: não foi orgulho. foi não quererem a mesma coisa. mas ele escreveu isto antes de tudo acontecer)



domingo, 25 de julho de 2010



Carolina

A cota está toda arranjada, hoje. Deve ter um encontro ao final do dia. Sentada à minha frente a tentar olhar-me nos olhos, com as mãos em cima das pernas cruzadas, à espera que eu fale, responda, ou faça qualquer tipo de movimento. Não tenho qualquer intenção de a satisfazer.

“É a quinta vez que cá vens, Carolina. Vais continuar sem dizer nada?”

Outra tentativa. A seguir vai perguntar se não me incomoda desperdiçar assim uma hora por semana. Vai recordar-me que é imposição legal e dos meus pais, e apelar-me ao sentimento de culpa. Sim, é uma perda de tempo, completa. Mas não estou aqui por minha vontade, e nada vai mudar isso. É palerma, se acha que lhe vou falar de mim. Quem julga ela que é? E a chamar-me Carolina? Parece de propósito para me irritar.

“Os teus pais disseram-me que começaste a ler muito nova. De que livros gostavas?”

Ok, conseguiste irritar-me. Andaste a cuscar com os meus pais. Para saber de mim. Quem te deu o direito? Começo a sentir-me tensa, posso até ter pestanejado sem querer. Fónix, raios os partam. Sim, mulher, comecei a ler muito nova. Li o Lolita. Queres que te fale disso? De como me tornei amiga dela e me seduziu o poder que tinha sobre o pobre Humbert? Sobre o mundo, até? Pois sim é verdade. E daí vais concluir que foi por isso que acabei aqui neste escritório quente, com pouca luz e cheiro a bafio, sentada muito composta em penitência com os joelhos juntos e a olhar para a parede do outro lado. E até podias ter razão, mas não te vou dar o prazer de o saber.

“Não te vou tratar com uma criança, Carolina. Estás a portar-te como uma adolescente. Igual à maioria dos outros da tua idade com quem falo, todos os dias. Revoltados com a autoridade ou mundo em geral.”, disse a voz com olhos directos e tom de constatação.

Tirou um curso em irritação, de certeza. Tenho de ver o que posso fazer acerca disso. Onde morará? Não, minha amiga, penso comigo mesma, não sou igual aos outros que por aí te entram. E se me irrito é porque me estás a fazer perder tempo. Tenho coisas para fazer lá fora. Hoje apetece-me uma tatuagem. Isso. Um falcão com garras afiadas, por trás do ombro direito, em voo picato. Os cotas vão-se passar, e vai ficar fixe no meu perfil. E se continuas a chatear-me, ponho-te a ti nessas garras, mulherzinha.

“Bom, vamos recomeçar. Eu não tenho nada melhor para fazer, Carolina. E tu achas que tens, mas não podes por minha causa. Sabes porque estás aqui?”

Claro que sei, penso, sem um pestanejar. Deve pensar que sou tola, além de calada. Os meus pais acham que sou anti-social, que não tenho amigos, que passo demasiado tempo a mandar mensagens e na net. Quem os mandou mudar para Almada, não estávamos bem em Lisboa? Também deviam querer que vestisse cor-de-rosinha em vez de preto, ou andasse de saltos altos e não botas. O que têm eles a ver com o que faço? São só os meus pais, e não devo precisar deles muito mais tempo -- já tenho o meu império, que me segue cada curta frase, que controlo por palavras e abreviaturas, e que fará tudo o que eu quiser.

É verdade, a Carolina não tem amigos. Mas para os amigos não sou Carolina. Sou Orange, Lady Orange. E tenho milhares de amigos.

 

--

A partir de um desafio de Lady Mary Jane. Elementos a usar: Carolina – para os amigos Lady Orange, Adolescente, Não gosta de saltos altos, Almada, Quer fazer uma tatuagem.



domingo, 9 de maio de 2010



Coração de Borracha

Isto aconteceu há mais de 20 anos, e fala de uma miúda chamada Susana, nos seus 12 anos talvez. Uma das minhas primeiras paixões.

Não nos falávamos, e só te conhecia de vista apesar de estarmos na mesma turma. Tinhas um olhar distante e dono de ti. Não eras linda, mas tinhas alguma coisa especial que me chamou atenção. Podia jurar que tinhas olhos cinzentos, mas posso estar enganado.

Não me lembro do teu rosto ou do teu olhar, e não te reconheceria na rua. Também não te falaria, se reconhecesse. E não te ia contar a história do coração de borracha.

 

Era Vermelho, cabia na palma da mão, e devia dizer “I Love You” em letras brancas. Deixei-to em segredo dentro da mochila num intervalo entre duas aulas, junto com uma mensagem de amor. Naquela altura eram moda as pequenas borrachas com formas e mensagens, e havia quem as coleccionasse. Miúdas.

Não sei bem como, mas acabou por voltar às minhas mãos, e nunca nos falámos sequer. Talvez tenha aparecido, devolvida num intervalo, na minha mochila.

Quando o ano acabou e mudei de escola, vi-te de mão dada com um amigo que já vestia só de preto, ouviam-se os Art Company ao fundo a cantar o teu nome e rir-se de mim.

Já a pequena borracha vermelha em forma de coração, essa seguiu-me muitos anos.



quarta-feira, 17 de março de 2010



Ruivas e Ruivos, Respectivamente

Antigamente quando as gloriosas férias de Verão de 3 meses se prolongavam para Setembro na Terra dos Meus Avós (2ª porta a seguir ao Paraíso), havia “debulhadas” rituais, juntavam-se as gentes da aldeia numa eira para tirar as camisas às maçarocas de milho. Sentados em círculo em volta da pilha, 10-15 pessoas contavam histórias uns aos outros, e bebiam anis e outros licores em garrafas que faziam a roda.

Havia três tipos de maçarocas diferentes. As normais, mais comuns, para fazer farinha e dar aos animais. Outras, finas e raras como caninos, eram o milho de pipocas, e guardavam-se para esse fim. As últimas eram ruivas, pouco mais claras que vinho tinto, e desbloqueavam uma espécie de bate-pé para os miúdos. Quem descamisasse uma destas, podia pedir um beijo a alguém à volta da pilha.

Acabei de encontrar um pelo de barba ruivo. A quem vou pedir um beijo?



quarta-feira, 3 de março de 2010



Valsa no Fim do Tempo

Foi uma despedida, aquele dia. Quando acordei de manhã, sabia que ia ser um dia de despedida. Alguma coisa no ar parecia segredar-mo. Não acredito em premonições, mas tinha aquela sensação de que alguma coisa ia acontecer. Sentia-o todos os dias, normalmente ainda de manhã, normalmente pouco depois de acordar, normalmente para o esquecer pouco depois.

Mas naquele dia aconteceu mesmo.

Actualmente há quem comemore o fim de um casamento com uma festa de despedida de casamento. Há quem não as compreenda, por um fim de casamento ser um sinal de fracasso e de fim de amor. Há quem encare como mudança, e sinta que precisamente por ser mudança e recomeço, deva ser comemorada.

No livro mais conhecido do Heinlein, "Estranho numa terra estranha", há uma festa quando alguém morre. Como forma de ficar com um pouco dessa pessoa em si, pode até comer-se um pedaço dela. Lembra o horrendo final do "Bébé de Maçon" no filme do Peter Greenaway.

Conversámos, frente a frente, quando chegámos a casa ao final do dia. Tu e eu, os teus olhos e os meus olhos. Não foram precisas muitas palavras. Terminámos com um "Está decidido, então". Saíste de casa para ir ter com uma amiga, eu fiquei a fitar a imensidão de pormenores do tecto branco natureza.

Marcámos a festa para daí a um mês, quando já estavam os papéis assinados, já as famílias sabiam e se conformaram, já os amigos sabiam e tinham tomado lados. Havia mais que duas pessoas a separar-se, quando aquele papel fosse desassinado em triplicado.

Escolhemos um restaurante bar conhecido, que alugámos só para nós. Escolhemos a ementa os dois, eu os pratos de carne e ela os pratos de vegetais. Decidimos quem ficava em cada mesa e a sua disposição na sala, escolhemos nomes de filmes e livros para dar às mesas, fizemos os convites fashion numa gráfica. Contratámos um DJ, que ia passar à vez as músicas de um e as músicas de outro, e terminar com uma valsa para ser dançada a sós pelos dois recém-separados.

A festa foi um sucesso. Mais de duzentas pessoas acabaram por aparecer, algumas depois de muita insistência. Houve cantoria, divorciado e divorciada lançados ao ar à força de braços, o atirar do bouquet à sorte de uma das casadas da sala. A minha prima já andava insatisfeita, quando apanhou as violetas veio-lhe um sorriso ao rosto.

Fechámos como havíamos aberto. A dançar a valsa que escolhemos, só os dois na pista, rodeados pelos convidados, e ao som das palmas quando terminámos, demos o nosso último beijo nos lábios.



sábado, 27 de fevereiro de 2010



Eu faço os dias

Já não tenho paciência para os aturar. Tanto de dia, como de noite, 90% dos meus clientes são homens. Estou FAR-TI-NHA.

Partilho um táxi com a Gisela, da Guarda. O patrão acha que ter mulheres ao volante é bom para o negócio.  Eu faço os dias, ela as noites. No bar, é ao contrário. Ela faz os dias, eu as noites. Os homens de Fernão Ferro sempre preferiram as roliças na passerelle, e babam-se quando me vêm tirar peça de roupa depois de peça de roupa. Pena serem um tesos, se não fossem já não andava nisto.

Há dias reparei num que todas as noites aparecia à minha hora, se sentava bem à minha frente, e ficava a beber um whiskey e olhar-me com ar tímido. Dias a fio disto chamaram-me a atenção para ele. Doidos destes já os conheço bem. Acabou por me pedir uma dança, e balbuciou que se chamava José e me admirava muito, queria casar comigo, amava-me e achava-me a mulher mais bonita do mundo. Não lhe dei resposta, e despachei o serviço que me ia pagar a revisão do carro na garagem.

Hoje chamaram-me para um serviço no Barreiro, e quando chego entra-me no carro o José, de mão dada com uma mulherzinha baixa. Queriam ir para o aeroporto. Vi-o ficar vermelho que nem um chouriço quando me viu, e quase me ria para dentro.

Deixei-os na Portela e parei na estação de serviço para beber um café e fumar um cigarro.

“Malandros. São todos uns malandros.”, pensei ao cuspir a beata e voltar para o carro.

 

(este texto foi o exercício final do curso de escrita de viagens, um desafio de escrita livre, com base num conjunto de elementos fornecido por um colega: taxista de dia – Ernestina e stripper à noite – Priscila; o texto devia incluir ainda uma garagem, uma bomba de gasolina, um copo de whiskey, e ser passado em Fernão Ferro). O colega em causa chama-se José… (nota: pseudónimo)].



quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010



Vermelho da cor de chouriço

Qual foi o meu melhor pôr-do-sol? Lembro-me de mais nasceres do sol do que de pôres-do-sol. O que não faz sentido, sabes que sou noctívago. Um de cada? Tenho de pensar. Lembro-me de um pôr-do-sol em Dubrovnik, pouco depois de chegar à cidade. Não foi especialmente bonito, e o céu não ficou vermelho da cor de chouriço, mas lembro-me desse, e que havia o brilho do sol no mar, daqueles que nunca ficam bem nas fotografias. Nascer do sol lembro-me de um nos Açores, em São Miguel. Passei a noite aninhado no carro, desconfortável e tapado com um saco-cama, para ver o sol a nascer na Ponta da Madrugada. Hem? Como foi? Estava nublado, não vi nada. Que pôr-do-sol gostava mais de ver contigo? Só me fazes perguntas difíceis, ainda para mais a esta hora da manhã, amor. Deixa pensar. No Pólo Norte, talvez. Quando o sol se põe por seis meses. Queixam-se os vinte e nove de fevereiristas de barriga cheia - lá em cima, só há um dia por ano. Sabes que os Inuit acreditam que se cantarmos ou assobiarmos para a aurora boreal, ela nos leva para o outro mundo, ou mais prosaicamente vem e nos corta o pescoço? Ainda hoje contam a estória às crianças. Já não chegava o medo do escuro, que começa com o pôr-do-sol.

Vamos?

[viagens… um texto sobre o pôr-do-sol]





Par

Deram-me os dois pauzinhos num restaurante chinês no Soho em Londres, para assinalar os 20 anos de existência do local. Eram todos diferentes uns dos outros, e os que escolhi são pretos e decorados com motivos simétricos em branco no topo, com uma pequena bolsa de tecido bordeux a mantê-los juntos. O final da refeição trouxe também o obrigatório bolo chinês, que dizia: “When you find the other pair, you will have found your pair”. Pareceu-me enigmático já na altura, e provavelmente uma tradução errada.

Isto foi há quase 3 anos, e desde aí andei sempre com os eles.

 

Conheci-te ontem, numa conferência a que ambos viémos. Simpatizámos um com o outro, e combinámos um jantar oriental na ChinaTown de Seattle. Caminhámos juntos do Hotel, escolhemos um restaurante pela cor do néon sobre a porta, entrámos e sentámo-nos. Escolhemos na ementa o 37 e o 42, e pedimos duas Tsin-Tao para acompanhar a conversa.

Quando veio a comida, a fumegar numa chapa quente, vi-te tirar da mala – como que em câmara lenta - uma pequena bolsa de tecido bordeux que mantinha juntos dois pauzinhos chineses, pretos e decorados com motivos simétricos em branco no topo.

Respirei fundo, irrequieto por dentro e nervoso demais para falar, e tirei os meus do bolso do casaco. Os pares eram idênticos ao mínimo pormenor.

 

[inspirado em… dois pauzinhos chineses, pretos e decorados com motivos simétricos em branco no topo, mantidos juntos por uma pequena bolsa bordeux]



sábado, 6 de fevereiro de 2010



Heróis do Bar

«Depois de rodadas consecutivas de margaritas, “Pablo y Sus Muchachas” – assim auto-denominadas ao fim de 4 dias no México – não tinham como não “borrachos”. O pior era que, na mesa ao lado, uns mexicanos puros com ar de poucos amigos estavam igualmente “borrachos”…»

… os tons de voz exaltavam-se com o avançar da noite, e começaram a picar-se os locais e os estrangeiros, com desafios indirectos de um lado em espanhol e em portinhol do outro.

O Bar estava cheio, o ambiente denso e com fumo, um barman de pescoço curto atrás de um comprido balcão de madeira servia impávida e eficazmente. Quatro grandes televisões debitavam decibéis e desporto para quem o quisesse ver.

Pablo, a vedeta da banda portuguesa, não aguentou a tensão no ar, e levantou-se com ar solene. “Muchachos, bamos a cantar la gloria de Portugal!” As “muchachas”, que por cá seriam conhecidos por João, Rui e Zé, levantaram-se também em volta da mesa, de copo na mão e a limpar a garganta.

“Heróis do maaaaaar…” É difícil, cantar o hino em ritmo mariachi.

O bar ficou em silêncio. Curiosamente, não hostil, mas com respeito. Quando a atrapalhada cantoria terminou, os outros presentes, da mesa ao lado e não só, replicaram solenemente com o hino mexicano.

Estavam feitas as pazes, entre gargalhadas e brindes. Pouco depois, começava o Portugal-México do Mundial. O México perdeu. Mas ninguém se importou muito, já eram amigos.

 

[Exercício do curso de escrita de viagens: completar, em 10 linhas (… que excedi claramente), a frase inicial entre aspas]



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